Em menos de seis meses, o Espírito Santo registrou 37 acionamentos relacionados ao uso de armas de gel, segundo levantamento realizado pelo Observatório da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). Os itens têm sido utilizados por crianças e jovens em simulação de confrontos, que costumam ser divulgados em redes sociais. A Polícia Militar informou à reportagem de A Gazeta que em oito ocasiões foram localizadas as pessoas que portavam o brinquedo e elas foram abordadas. Em dois casos, porém, a PM constatou que houve crime, envolvendo uma tentativa de assalto a uma motorista e um esfaqueamento de adolescente.
Em novembro de 2024, A Gazeta mostrou que a arma de gel havia se tornado uma febre entre crianças e adolescentes. As armas chegam a custar R$ 800 e têm modelos variados, comercializados com milhares de bolinhas de gel, carregador e óculos de proteção. Recentemente, um condomínio da Enseada do Suá, em Vitória, proibiu o uso das armas de gel em áreas comuns.
O levantamento do Observatório da Segurança Pública, solicitado pela reportagem, considera o período entre setembro de 2024 e janeiro de 2025. Neste período, o Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes), da Polícia Militar, recebeu 37 acionamentos. O órgão é responsável por coordenar e despachar ocorrências policiais no Espírito Santo.
Há no Espírito Santo uma proposta para proibir o uso de arma de gel em locais públicos. O projeto de lei do deputado estadual Delegado Danilo Bahiense (PL) tramita desde o ano passado na Assembleia Legislativa e determina que os estabelecimentos que vendem artefato façam um registro dos compradores. A proposta ainda sugere que os portadores conduzam a arma de gel com a nota fiscal de compra. O texto ainda não foi aprovado.
No dia 22 de dezembro de 2024, uma guarnição da Polícia Militar foi acionada para uma ocorrência de um suposto esfaqueamento entre adolescentes. Ao chegarem ao Hospital Estadual Antônio Bezerra de Faria, em Vila Velha, os militares foram informados que a vítima já havia sido atendida e, posteriormente, prosseguido até a Delegacia Regional do município.
Em contato com o adolescente de 17 anos que apresentava uma lesão nas costas, ele disse que havia sido atingido por uma facada. O suspeito seria um adolescente de 14 anos. O esfaqueamento teria acontecido durante uma brincadeira com arma de gel, no bairro Vila Batista, em Vila Velha.
O suposto autor da facada também compareceu à delegacia, acompanhado da mãe. Eles foram conduzidos à Delegacia Especializada do Adolescente em Conflito com a Lei (Deacle) para que as medidas cabíveis fossem tomadas. O adolescente de 14 anos foi autuado por ato infracional análogo à lesão corporal e reintegrado à família.
No dia 5 de janeiro deste ano, uma mulher foi abordada por um homem que supostamente portava arma de gel e tentou roubar o carro dela, um Hyundai HB20. O suspeito não conseguiu levar o automóvel, apenas a chave. O fato aconteceu no bairro Nova América, em Vila Velha. Não houve detidos e a vítima foi orientada a registrar um boletim de ocorrência.
Em meio ao aumento no número de casos relativos ao uso da arma de gel, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia publicou uma nota informando que, conforme a Portaria Inmetro nº 302, de 2021, esses produtos não são considerados brinquedos. A regulamentação define que brinquedos são produtos destinados ao uso por crianças menores de 14 anos. Portanto, itens que não atendem a essa definição não podem ser comercializados como "brinquedos", nem ostentar o Selo de Identificação da Conformidade do Inmetro.
Em novembro do ano passado, A Gazeta conversou com especialistas ligados à área da segurança pública a respeito do uso de arma de gel. O advogado criminalista Anderson Burke pontuou que o Estatuto do Desarmamento não tipifica como crime o porte de um simulacro de arma de fogo. Ou seja, em tese, um adolescente que tem um brinquedo semelhante a uma arma não deve ser punido por isso. Por outro lado, o especialista em Segurança Pública Henrique Herkenhoff afirma que a legislação brasileira proíbe a fabricação ou comercialização de simulacros que possam ser confundidos com armas verdadeiras.
Henrique Herkenhoff explica que, apesar da proibição de venda de simulacro que se pareça com arma, há uma exceção para itens que possam servir, por exemplo, para instrução de agentes de segurança. Neste caso, a venda é restringida para determinados públicos. O especialista em segurança pública reforça o alerta feito pelo advogado criminalista: Quem usa arma de gel precisa ter atenção e evitar que seja confundido.
"Quem estiver portanto esse simulacro de arma de fogo está sujeito a ser confundido. Quanto mais parecido, maior a possibilidade de confusão. Se for um policial, pode haver a legítima defesa putativa. Essa possibilidade de confusão é subjetiva e depende das circunstâncias", disse Henrique Herkenhoff, especialista em segurança pública, em 2024.
A defesa putativa, citada pelo especialista, é uma situação prevista no direito penal em que uma pessoa acredita estar agindo em legítima defesa, mas a percepção é equivocada ou baseada em uma impressão errada da realidade. Ou seja, o indivíduo pensa em que está em perigo e reage como se estivesse de defendendo. Na verdade, o perigo não existe ou não é real.
Isso significa que, um pai comprar uma arma de gel para um filho não é crime, desde que o uso do item não interfira na saúde ou integridade de outras pessoas. Usar a arma de gel no meio da rua, atingindo veículos ou pessoas que não tenham relação pode configurar crime.
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