Publicado em 22 de dezembro de 2019 às 13:08
Nas passagens bíblicas, muito se fala em perdão e tempo de conversão. Ao se aproximar das festas de final de ano, a mensagem passa a ter ainda mais sentido e pode tocar até quem está à margem dos ensinamentos cristãos ou mesmo da lei. Tanto é que, na última sexta-feira (20) à noite, traficantes fecharam uma boca de fumo no alto do Bairro da Penha, em Vitória, para uma missa de Natal. >
Coube ao padre Kelder Brandão, que já atua na comunidade, subir ao ponto mais alto do morro para fazer, pela primeira vez, uma celebração no local. Ele conta que foi o próprio "movimento do tráfico" que pediu a missa, embora não tenha participado efetivamente dos ritos. "Eles fecharam a 'boca' e assistiram de longe, a uns 20 metros de distância. Eles têm muita clareza do espaço e do território. Mas eles queriam que fosse celebrado para o pessoal da comunidade.">
Kelder observa que, até pouco tempo, a comunidade não se motivava muito a participar. Em outubro, porém, missionários que são voluntários na paróquia estiveram na região e "os meninos do movimento do tráfico", nas palavras do padre, pediram que fosse feita uma celebração com eles.>
Padre Kelder
Questionado sobre a ligação do grupo com o crime e se tenta convencê-lo a mudar de vida, padre Kelder diz que o objetivo da evangelização é justamente esse, mas ressalta que a fé cristã não pode impor nada a ninguém. "A conversão autêntica acontece a partir do encanto, do amor, do desejo de fazer o bem. E isso a gente não pode impor. Na minha perspectiva, se a sociedade e o Estado abordassem essas pessoas de outra maneira, se estivessem mais presentes no cotidiano delas, acredito que a maioria não estaria nessa", argumenta.>
>
O padre ressalta que, para além do estigma de traficante, existe ali uma pessoa que precisa ser enxergada. Para ele, muitas crianças e jovens entram no tráfico a fim de constituir uma identidade, ser protagonista. "Outro dia passei por um menino, de 10, 11 anos, que estava segurando uma metralhadora. Falei com ele e me senti muito mal. Fiquei me perguntando: 'Será que, se não estivesse armado, eu o teria percebido? Por que eu não consigo trazê-lo para a catequese, mas o tráfico consegue levá-lo para o movimento?' Ali, ele tem um protagonismo, toma conta do morro", lamenta.>
Na noite da celebração, Kelder aponta outra conduta que, em sua avaliação, demonstra que os jovens ainda têm possibilidade de levar uma outra vida, longe do crime, e reforça a sua missão evangelizadora. "Quando fui me despedir, um deles virou para mim e perguntou se eu podia fazer a missa em outros lugares. Quando falei que sim, ele disse que queria que eu fosse levar a bênção para os irmãos do Bonfim. Não terminou a missa e pediu uma benção especial para ele, mas quis partilhar, quis que eu levasse a mensagem para outra comunidade. Isso é a essência do cristianismo", finalizou.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta