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Plataforma em risco de explosão no ES não tem data para voltar a operar

Plataforma em risco de explosão no ES não tem data para voltar a operar

O navio-plataforma Cidade de Vitória foi interditado no dia 6 de junho deste ano, após fiscalização da ANP  identificar perigos de incêndios e explosões

Publicado em 20 de setembro de 2022 às 16:50

Ícone - Tempo de Leitura 9min de leitura
FPSO Cidade de Vitória: plataforma que produz no campo de Golfinho, litoral Norte do ES
FPSO Cidade de Vitória: plataforma que produz no campo de Golfinho, litoral Norte do ES. (Cacá Lima/Agência Petrobras)

Não há prazo de quando poderá voltar a operar o navio-plataforma Cidade de Vitória, interditado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) após fiscalização que identificou na estrutura “riscos de ocorrência de perdas de contenção, incêndios e explosões, com acidentes graves”. O fato acontece no momento em que a indústria de petróleo e gás no Espírito Santo apresenta 63 meses seguidos de declínio, com encolhimento de 2,1% no PIB industrial, como informou o colunista Abdo Filho.

“A unidade continua interditada, ou seja, sem o recebimento de novas atualizações sobre eventuais mudanças que retirem a unidade da situação de risco grave e iminente”, informou em nota a ANP. A interdição ocorreu em 6 de junho deste ano.

O texto acrescenta ainda que, no caso de instalação interditada, as operações somente poderão ser iniciadas após a desinterdição e manifestação favorável da ANP, que poderá determinar inclusive outras condicionantes para o início da operação segura pela nova detentora de direitos de exploração e produção de petróleo e gás.

MOTIVOS DA INTERDIÇÃO

O navio-plataforma foi interditado após fiscalização da ANP, realizada no período de 30 de maio a 3 de junho deste ano, com auto de interdição e notificação, a que A Gazeta teve acesso.

O documento aponta que a unidade apresenta problemas que variam de riscos de vazamento de gases perigosos, em taxas cinco vezes maiores do que o previsto em projeto, até falhas nos sistemas de comunicações com a população embarcada, que estaria acima da capacidade prevista e habitando locais de risco.

O boletim de fiscalização informa que “foram identificadas diversas situações de risco grave iminente”. Os problemas guardam semelhança com os apresentados também pelo FPSO Cidade de São Mateus, que em fevereiro de 2015 foi alvo de uma explosão, após vazamento de gás. O acidente, considerado o maior na área de petróleo e gás no Espírito Santo, deixou 9 mortos e 26 pessoas feridas.

Desde o acidente em 2015, o Cidade São Mateus foi encaminhado para reparos e recuperação e não voltou a operar.

Página de A Gazeta de 31.05.2016
Matéria de A Gazeta sobre a explosão da FPSO Cidade de São Mateus, em 2015. (A Gazeta)

O QUE A PLATAFORMA DEIXA DE PRODUZIR

Segundo a ANP, a produção média do navio-plataforma em maio/2022, quando ainda não havia sido interditado, foi de 1.488 m³/dia de óleo e 88 mil m³/dia de gás, ressaltando que há algum tempo a unidade não disponibiliza qualquer volume de gás natural; pelo contrário, importa para suprir suas necessidades de consumo.

A ANP informa ainda que, segundo informações da Petrobras, a plataforma Cidade de Vitória possui capacidade de produzir 4.500 m³/dia de óleo e 3.500.000 Nm³/dia de gás (dados referentes a 2020).

A capacidade de armazenamento de óleo da instalação é de 298.906,1 m³. O gás excedente àquele utilizado na própria FPSO é exportado via gasoduto, sendo a capacidade instalada de compressão de gás para exportação de 3.500.000 Nm³/dia.

OS RISCOS IDENTIFICADOS NA PLATAFORMA

Confira detalhes de alguns riscos que foram identificados pela fiscalização da ANP: 

Corrosão tubulações da FPSO Cidade de Vitória
Corrosão na tubulação do Sistema Crítico de Drenagem e vazamento na  FPSO Cidade de Vitória. (Boletim de fiscalização da ANP)

1 - Não detecção de gases perigosos:

Segundo o documento da ANP,  “90% das nuvens de gases perigosas não são detectadas pelo sistema instalado no FPSO Cidade de Vitória”.

É apontado que na plataforma são utilizados critérios de detecção de nuvens de gás diferentes da maior parte das operadoras do país e que, embora não seja contra as normas, resulta em projetos menos seguros. “Demandando uma maior eficiência da contenção primária, através da garantia da integridade, o que não acontece“, diz o documento..

Corrosão tubulações da FPSO Cidade de Vitória
Corrosão na tubulação de Gás Lift e  na tubulação de chegada de poço. (Boletim de fiscalização da ANP)

2 - Vazamento de gás:

Já em 2020, foi identificado que “a taxa de vazamentos real é cinco vezes maior que a esperada em projeto”. Na fiscalização ficou evidenciado a bordo do navio-plataforma “baixa integridade e corrosão severa em diversas tubulações”.

Pela estimativa oficial, a frequência de vazamentos deveria ser de um evento a cada 1 ano e 2  meses, mas nos seis primeiros meses de 2019 ocorreram 3 vazamentos, que resultaram em explosões e um jato de fogo, causados, segundo o documento, “por falta de manutenção e falta de competência”

Na fiscalização, ficou evidenciado a bordo do navio-plataforma “baixa integridade e corrosão severa em diversas tubulações”. Isto acontece principalmente em tubulações de produção de poços e de gás lift, de drenagem perigosas e tubulações de gás inerte que estão conectadas aos tanques de carga. “Ressalta-se que estas tubulações estão associadas a grandes cenários de risco”, destaca o texto.

É informado que a empresa Saipem, que opera a plataforma, ao ser indagada sobre a garantia da integridade das tubulações — por 13 vezes — “confirmou que não possuía documento de engenharia capaz de comprovar a integridade destas tubulações”.

No documento é informado que, diante da situação evidenciada a bordo, a Petrobras e a Saipem interromperam a produção. “Ainda que de maneira tardia, decidiram interromper a produção para iniciar uma campanha de inspeção, restauração e troca de tubulações, a fim de garantir a integridade e consequentemente a estanqueidade de fluidos perigosos”, diz o texto.

Corrosão tubulações da FPSO Cidade de Vitória
Corrosão em tubulações de Gás Inert ligada a tanques de carga e de drenagem perigosa da FPSO Cidade de Vitória. (Boletim de fiscalização da ANP)

3 - Sistema de comunicação:

A fiscalização apontou que foi identificado que o sistema “encontra-se degradado, não sendo possível entender as mensagens enviadas”, após a realização de vários testes. Foram identificadas também falhas nos amplificadores e na sala de controle.

“Vários testes foram realizados e representantes do Operador do Contrato, da Instalação e da ANP, apesar de atentos, não conseguiram entender as mensagens transmitidas pelo sistema de PA”

O objetivo do alarme e aviso no navio-plataforma, segundo a fiscalização, é minimizar o risco de o pessoal embarcado ficar confuso durante um incidente e executar ações que possam colocar em risco a si e a outros.

A solução deste problema é uma das condicionantes para o retorno da produção do navio-plataforma Cidade de Vitória.

Container de habitação da FPSO Cidade de Vitória
Container de habitação localizado embaixo de guindaste na FPSO Cidade de Vitória. (Boletim de fiscalização da ANP)

O QUE LEVOU À INTERDIÇÃO DA PLATAFORMA

1 - Habitações em situação de risco:

Os containers que são habitados durante os turnos de trabalho estão instalados abaixo do guindaste de proa e ao lado do módulo de gás combustível, “com equipamentos que são fontes de ignição, como aparelhos de ar-condicionado convencionais”, diz o documento.

Uma localização que submete “os trabalhadores a situações de risco grave e iminente”, destaca o texto. A fiscalização aponta que chegaram a ser solicitadas para a operadora do navio-plataforma alterações na estrutura, mas elas não ocorreram.

Cenário de destruição foi encontrado no interior do navio-plataforma Cidade de São Mateus(Relatório da ANP | Divulgação)

2 - População embarcada acima da capacidade:

Foi identificado que a instalação tem operado constantemente com a população embarcada acima da capacidade de projeto. O problema, apontado pela fiscalização, é que não há baleeira reserva — embarcações salva-vidas rígidas e a prova de fogo — para todos a bordo, a serem usadas em casos de abandono da embarcação. “Tal fato contraria inclusive a filosofia de segurança da própria instalação”, destaca.

É destacado que existem diferenças entre um abandono da plataforma por baleeira, que é uma embarcação a prova de fogo com propulsão própria e que é lançada ao mar já tripulada. Já uma balsa salva-vidas, que não possui essas facilidades, não poderá ser utilizada em um cenário de emergência com fogo no mar. Além de necessitar que o colaborador desça por escada vertical até o nível do mar ou que se jogue no mar para então embarcar na balsa.

Também não há critérios, segundo a fiscalização, para definir quais trabalhadores não poderão utilizar a baleeira no caso de evacuação e que, em geral, são selecionados trabalhadores de empresas terceirizadas. “Percebe-se que estes trabalhadores necessitam de um treinamento diferenciado, além de uma avaliação psicológica de sua reação provável num momento de extrema pressão, como o abandono da instalação”.

É observado que esta situação representa uma questão psicológica de grande importância, para evitar que, em um momento de abandono da embarcação, não seja necessário o gerenciamento de conflitos entre colaboradores que eventualmente não aceitem o fato de não ter vaga na baleeira. “Ainda assim, o operador tem realizado este aumento de população embarcada com grande constância”, diz o texto.

Vazamento tubulações de contenção de incêndio da FPSO Cidade de Vitória
Vazamento na junta de vedação da válvula de bypass na FPSO Cidade de Vitória. (Boletim de fiscalização da ANP)

3 - Dilúvio e drenagem:

A fiscalização identificou uma grande quantidade de bicos aspersores obstruídos e que são utilizados em casos de incêndio. Mas o teste dos equipamentos nem chegou a ser concluído, diante do aparecimento de outro problema: vazamento na junta de vedação de algumas válvulas.

“Foi possível evidenciar o transbordamento da drenagem e o grande vazamento em tubulação com diversos furos. Ressalta-se que esta mesma zona havia sido testada pelo operador há aproximadamente quatro meses.”

O navio-plataforma Cidade de São Mateus no dia seguinte à explosão, em 12 de fevereiro de 2015. (Bernardo Coutinho/Arquivo)

RISCO GRAVE PARA OS TRABALHADORES, DIZ SINDIPETRO-ES

Etory Sperandio, diretor do Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo (Sindipetro-ES), considera grave a situação da FPSO Cidade de Vitória e ainda o risco a que estão submetidos os trabalhadores toda vez que embarcam.

“O que chama a atenção é que a BW, empresa que está comprando a plataforma, e os campos de Camarupim e Golfinho, é a mesma empresa responsável pelo maior acidente na área de petróleo e gás registrado no Estado. Para nós, isso é extremamente temerário”, destaca.

O diretor ressalta que o laudo da ANP guarda muita proximidade com o que aconteceu com o navio-plataforma Cidade São Mateus. “Uma atmosfera explosiva, o pessoal embarcado entrou em ambiente confinado, onde houve a ignição, que gerou a explosão. E até hoje ela não voltou a produzir”, relata.

Segundo Sperandio, além da investigação da ANP, o Sindipetro-ES também recorreu à Justiça contra a venda dos campos de Camarupim e Golfinho.

O QUE DIZ A PETROBRAS

Por nota, a Petrobras informa que “realiza suas atividades de acordo com os mais rigorosos padrões internacionais de segurança''. Diz ainda que, durante auditoria da ANP que se iniciou em 30 de maio, optou por parar preventivamente a produção do FPSO Cidade de Vitória, plataforma afretada da Saipem, para conclusão das atividades de manutenção, antes da emissão do relatório final do órgão regulador.

“A companhia reforça que, até a paralisação da plataforma, operava conforme os estudos de riscos da afretadora no que diz respeito à sensibilidade de detecção de vazamentos”.

A plataforma estava com produção média de 10 mil barris de petróleo/dia. “O FPSO está parado na sua locação original no campo de Golfinho e a previsão é de que a produção retorne até o final do ano. Conforme comunicado ao mercado, via Fato Relevante, o Campo de Golfinho está em processo de desinvestimento, tendo o contrato assinado em 24 de junho de 2022”, é dito na nota.

MPT-ES ABRE INVESTIGAÇÃO

Ministério Público do Trabalho (MPT), instituição a quem compete a defesa dos direitos sociais dos trabalhadores, informou, por nota, que autuou Notícia de Fato (NF) para análise, a partir das informações recebidas por meio da imprensa, das irregularidades trabalhistas constatadas no navio-plataforma FPSO Cidade de Vitória.

Informou ainda que projeto Ouro Negro, da Coordenadoria Nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário (Conatpa) do órgão ministerial, não participou dessa operação. “Mesmo assim, a instituição acompanhará o caso a partir desse momento”.

É informado ainda que, ao constatar o descumprimento da legislação trabalhista, o MPT poderá propor, aos investigados, a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), com o objetivo de adequação voluntária das irregularidades constatadas no curso da investigação, ou mesmo ingressar com uma ação no âmbito da Justiça do Trabalho para a defesa dos direitos coletivos e reparação dos danos.

As assessoria das empresas BW e Saipem ainda não foram localizadas para se manifestarem sobre o assunto e, quando isto ocorrer, o texto desta matéria será atualizado.

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