Marcelo Flora é sócio-responsável pelo BTG Pactual digital
Marcelo Flora é sócio-responsável pelo BTG Pactual digital
Marcelo Flora

"Nós, como sociedade, estamos nos sofisticando do ponto de vista do investimento"

O sócio-responsável pelo BTG Pactual digital acredita que, com mais soluções financeiras na palma da mão, famílias brasileiras poderão investir melhor o dinheiro

Marcelo Flora é sócio-responsável pelo BTG Pactual digital
Publicado em 30/10/2019 às 20h14

O mercado financeiro, assim como diversos setores da economia, está passando por uma revolução. A tecnologia está transformando os produtos e obrigando as instituições tradicionais, como os bancos, a reformular sua forma de atuação. O setor tem sido bem impactado pelo avanço das fintechs - startups que trabalham em inovação de serviços do sistema financeiro. Dentre algumas das consequências visíveis estão os fechamentos de agências bancárias e demissões de funcionários em todo o país.

Para Marcelo Flora, sócio responsável pelo banco BTG Pactual digital, a atuação das fintechs proporcionada pela revolução tecnológica está intimamente ligada à crescente prestação de serviços financeiros, que proporcionou uma escolha mais ampla de serviços e um melhor acesso para diferentes grupos socioeconômicos. Essa mudança é chamada de financial deepening.

“Estamos vivendo hoje um ambiente de forte inovação. Com crescimento e aparecimento de cada vez mais fintechs que, por focarem em um único problema do cliente, crescem muito. Hoje, com celular, não temos problema de ter vários aplicativos desde que eles resolvam as nossas situações”, explicou.

Segundo ele, com mais e mais soluções financeiras na palma da mão, outras maneiras de investir ganharão força no Brasil nos próximos anos. “No Brasil, mais de 90% da sociedade investe em renda fixa. Quando olhamos para o mercado americano, mais de 80% do investimento da família são em renda variável. Vamos começar a trilhar esse caminho que já foi trilhado em outros locais.”

Flora estará nesta sexta-feira (1º) no Fórum Liberdade e Democracia em Vitória. Ele falará sobre a evolução do mercado financeiro com a economista Ana Paula Vescovi e com Anderson Chamon, sócio da PicPay.  O evento começa nesta quinta-feira (31) e acontecerá no Centro de Convenções da Capital.

Como você observa as mudanças no setor financeiro e como imagina o futuro para essa área?

Estamos observando, com a queda de juros que vimos nos últimos meses e anos, um fenômeno estrutural que vimos acontecer na economia dos Estados Unidos que é o financial deepening. Isso significa que nós, como sociedade, estamos nos sofisticando do ponto de vista de investimento e nos tornando cada vez mais educados financeiramente. Esse fenômeno vai trazer mudanças importante para nossa economia. No Brasil, mais de 90% da sociedade investe em renda fixa. Quando olhamos para o mercado americano, mais de 80% do investimento da família são em renda variável. Vamos começar a trilhar esse caminho que já foi trilhado em outros locais. Em média, a família americana é muito mais educada financeiramente que as famílias brasileiras.

Onde as fintechs entram nesse novo mercado?

As fintechs aceleram o financial deepening. Com a popularização da internet no início dos anos 2000, o primeiro setor mais impactado foi o varejo com a Amazon. Desde então, vários outros setores foram disruptados. E agora esse movimento está chegando ao mercado financeiro. Talvez por ser um setor mais regulado, tenha demorado um pouco mais, mas está se intensificando. As fintechs são startups que trazem alguma solução para o dia a dia das pessoas e tem conquistado cada vez mais espaço a combinação destes dois fenômenos. O financial deepening com a revolução digital são muito poderosos, e um acelera o outro. Hoje mais de 80% das riquezas das famílias brasileiras estão investidas em cinco grandes bancos de varejo e quando olhamos para mercado americano é contrário, eles já estão fora dos grandes bancos de varejo e em plataformas de investimento.

Os bancos como conhecemos hoje poderão desaparecer?

No mercado americano os bancos continuam existindo, mas operam muito mais como bancos, com o crédito. Eu penso que é isso que vai acontecer no Brasil. Os bancos têm se adaptado à situação que temos. O modelo de varejo bancário fixado nos últimos 50 anos foi estabelecido como a agência sendo um ponto de cross selling (técnica que estimula o cliente a concluir a sua compra inicial levando produtos que a complementam). A medida que você faz isso, torna agência algo que é fundamental no dia a dia do banco. Quando temos problema com o cartão, ligamos para o gerente ele te chama na agência. Essa é uma oportunidade de ele forçar o cross selling, de você sair de lá com o seu problema resolvido e mais alguma coisa, como uma capitalização, por exemplo. Estamos vivendo hoje um ambiente de forte inovação. Com crescimento e aparecimento de cada vez mais fintechs que, por focarem em um único problema do cliente, crescem muito. Hoje, com celular, não temos problema de ter vários aplicativos desde que eles resolvam as nossas situações.

Quais são os sinais dessa adaptação dos bancos?

Os bancos tradicionais já estão acelerando fechamento de agências, demitindo gerentes. Grandes bancos estão se adequando para essa realidade. Eles fazem esse movimento para concorrer como banco como nós. O BTG Pactual é o sexto maior banco do Brasil e o maior banco do Brasil sem rede de agências. Pegando o exemplo de outros setores, vemos a Uber ser a maior empresa de transporte do mundo e ela não tem nenhum carro. Não precisa fazer manutenção. O Airbnb é a mesma coisa, não precisa de ter quartos de hotel. O nosso modelo de negócio guarda relação com o dessas empresas. Ofereço estrutura de tecnologia, de sistemas, e a Apex, em Vitória, ou um dos nossos parceiros, cuida do relacionamento cara-a-cara com o cliente. O hábito de consumo ainda é o de o sujeito ir na agência tomar um cafezinho com o gerente. No entanto, cada vez mais vai ficar mais fácil perceber que o dinheiro não está rendendo e que aquele modelo de arquitetura fechada em que o Bradesco só vende fundo do Bradesco, Itaú só vende do Itaú, não faz mais sentido. Você tem que buscar o que há de melhor, e isso não necessariamente está no grupo financeiro onde você tem sua conta-corrente.

Com tantas possibilidade para cuidar do próprio dinheiro pelo celular, sem intermediários, e com as demissões nos grandes bancos, como ficam as carreiras do setor?

Olhando para mercado americano, tem mais de 500 mil independent financial advisers (agentes financeiros autônomos). Aqui no mercado brasileiro tinha 2 mil em 2012 e vem crescendo muito. Hoje temos cerca de 6 mil. Esse ano parece que mais de 7 mil pessoas fizeram a prova para se tornarem agentes autônomos. Há oportunidade para quem hoje já tem certificação e é funcionário de banco. Hoje temos cerca de 100 mil gerentes e profissionais de bancos com algum tipo de certificação que poderiam se habilitar para serem agentes autônomos. Ao longo dos próximos cinco anos poderemos passar para 30 ou 40 mil. E mesmo assim vai ser muito menor que o mercado americano. Aqui temos uma oportunidade fantástica nesse mercado. O papel do financial adviser continua sendo muito importante mesmo com as fintechs. Porque de alguma forma é quase como se o papel dele fosse de um psicólogo. Entender a psicologia do cliente,  o perfil que se adapta mais e, no momento em que o mercado surpreende e traz perdas para aquela carteira, exercer papel de dar conforto ao cliente.

As mudanças no setor também poderão atingir o crédito?

 Aqui no Brasil a maior parte das pessoas se acostumou a não pedir nenhum crédito. O mercado de imóveis é muito pouco desenvolvido por esse motivo. As pessoas compram fazendo financiamentos imobiliários relativamente pequenos ou comprando a vista. É diferente dos Estados Unidos em que a maioria dos imóveis são financiados com 20, 30, 40 anos. Isso será cada vez mais a realidade por aqui. Isso, de alguma forma, já ocorre desde 2010. Com a taxa de juros no patamar que estamos, e que deve cair ainda mais, isso traz mudanças importantes e as pessoas vão aprender que o crédito, desde que tomado de forma responsável, pode ajudar bastante.

Como você avalia o cenário econômico nacional pós-reforma da Previdência?

Temos uma visão super positiva. Já tivemos patamares de juros baixos no passado, mas julgo que de forma um pouco artificial. Tanto que depois os juros foram de 7% para 14% e passamos por período de recessão. O ambiente que vivemos hoje é super positivo, ano que vem pode ser muito bom em função dos juros menores e da inflação mais baixa. Esse é um fenômeno que traz benefícios para sociedade como investimentos em infraestrutura e atividade empreendedora. Isso tudo faz a economia crescer. A nossa perspectiva é de que esse cenário seja mais duradouro do que no passado.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.