Repórter de Cotidiano / [email protected]
Publicado em 27 de fevereiro de 2021 às 07:24
- Atualizado há 5 anos
O uso de antibióticos por pacientes com a Covid-19 de forma precoce, a fim de prevenir a evolução do coronavírus no organismo, está levando ao agravamento dos casos. O remédio é indicado apenas para quadros de infecção bacteriana, e, segundo alertam médicos, utilizá-lo sem a indicação adequada pode tornar bactérias mais resistentes ao tratamento. >
O primeiro ponto a esclarecer é que a Covid-19 é provocada por vírus - o Sars-Cov-2 - contra o qual não há tratamento específico e, ainda que houvesse, não seriam antibióticos - estes são usados para doenças causadas por bactérias. >
Ana Carolina D'Ettorres, infectologista da Unimed Vitória, explica que a Covid-19 tem várias etapas, começando como uma doença viral e, durante o processo, tem a fase inflamatória que provoca muita lesão pulmonar e, em toda lesão dessa natureza, há risco de desenvolver a infecção bacteriana. >
"Mas usar o antibiótico para prevenir é errado. Não previne infecção; é ilusão. E o pior: é prejudicial porque, na hora que de fato acontecer uma infecção bacteriana e precisar do antibiótico, ela virá muito mais agressiva, com germe resistente e limitação terapêutica", pontua. >
>
A infectologista acrescenta que, ao usar antibiótico de maneira precoce para a Covid-19, ou qualquer outra doença sem indicação, e deixar as bactérias mais resistentes, a internação hospitalar torna-se quase obrigatória, assim como será necessário o uso de medicamentos mais fortes e por tempo mais prolongado. "Além de haver a possibilidade de o paciente não responder ao tratamento", observa Ana Carolina. >
Doença viral como a Covid-19 tem sintomas similares a uma infecção bacteriana, como tosse, febre e desconforto respiratório, diz a médica, e é, por isso, que o paciente precisa ser submetido a uma avaliação criteriosa para que haja segurança no diagnóstico e o antibiótico seja usado somente quando realmente indicado. >
O infectologista Lauro Ferreira Pinto adverte que as principais agências reguladoras do mundo, como a americana e a europeia, também têm alertado para o uso indiscriminado de antibiótico em pacientes com a Covid-19, sobretudo a Azitromicina, justamente pelo risco de aumentar a resistência das bactérias. Ele aponta que as infecções bacterianas são secundárias no caso da Covid-19, e acontecem em menos de 20% dos pacientes que contraíram o coronavírus. >
"Para estes, sim, pode haver a indicação de antibiótico. Mas é sempre bom lembrar que antibiótico não é antipirético (remédio contra a febre), e nunca deve ser tomado sem indicação. Entendo o anseio da pessoa que está doente, desesperada em busca de uma solução para o seu caso, e pressiona pela prescrição do remédio, mas só deve ser usado em situação específica", ressalta. >
Presidente da Sociedade de Infectologia no Espírito Santo e médico da Rede Meridional, Alexandre Rodrigues analisa que há dois contextos de risco com o uso de antibióticos por quem está com a Covid-19. A utilização apenas do antibiótico, reforça o infectologista, leva ao aumento da resistência antimicrobiana. Se não bastasse esse problema, no uso do kit de tratamento precoce, em que se associa também outras substâncias, o corticoide reduz a imunidade do paciente. >
"Tanto para um paciente quanto para outro, as bactérias ficam resistentes a esses antibióticos. Às vezes, o paciente apresenta um quadro mais grave depois, interna e vai para a UTI. Tem que usar muito mais antibióticos, e esses quadros graves podem ir a óbito por bactéria multirresistente", atesta. >
O problema de uso abusivo de antibióticos, explica Alexandre Rodrigues, é anterior à pandemia. Em 2019, havia cerca de 700 mil mortes anuais, no mundo, provocadas por bactérias resistentes. Naquele ano, estimava-se que, em 2050, esse número saltaria para 10 milhões de óbitos, num relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).>
Agora, tanto pelo uso indiscriminado do medicamento pela população, quanto pelo fato de que antibióticos têm sido mais administrados nos pacientes graves de Covid-19 durante as internações, as projeções são de que a quantidade de mortes decorrentes de bactérias multirresistentes aumente expressivamente num intervalo menor de tempo. >
No mesmo relatório, segundo aponta Alexandre Rodrigues, estava o alerta de que, cada vez mais doenças comuns como as sexualmente transmissíveis, as do trato respiratório e as do trato urinário, se tornam impossíveis de serem tratadas porque as bactérias estão mais resistentes aos antibióticos. >
A Resistência Antimicrobiana (RAM), segundo a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), põe em risco a eficácia da prevenção e do tratamento de um número crescente de infecções por vírus, bactérias, fungos e parasitas.>
A RAM ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações quando expostos a antimicrobianos (antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos ou anti-helmínticos, por exemplo). Os microrganismos resistentes à maioria dos antimicrobianos são conhecidos como ultrarresistentes.>
Como resultado, os medicamentos se tornam ineficazes e as infecções persistem no corpo, aumentando o risco de propagação a outras pessoas.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta