Drogas como maconha, cocaína e ecstasy estão ao alcance de alunos de escolas públicas e privadas do Espírito Santo
Drogas como maconha, cocaína e ecstasy estão ao alcance de alunos de escolas públicas e privadas do Espírito Santo. Crédito: Fernando Madeira (simulação)

Saiba as drogas mais usadas por alunos de escolas públicas e privadas do ES

Levantamento inédito com mais de 4 mil estudantes do ensino médio na Região Metropolitana revela o perfil de consumo dos adolescentes

Tempo de leitura: 6min

No lugar de livros e canetas para escrever o futuro, substâncias que alteram a percepção da realidade. No Espírito Santo, um levantamento inédito revelou que dois a cada dez estudantes de escolas públicas e privadas do ensino médio já experimentaram algum tipo de droga ilícita, como maconha, cocaína, ecstasy e LSD. Cigarro, álcool, emagrecedores e estimulantes, sem receita, também alcançam parcela desses alunos, cujo perfil de consumo varia conforme o estrato social a que pertencem. 

A pesquisa ouviu 4.416 adolescentes de 63 instituições de ensino dos sete municípios da Região Metropolitana — Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. As entrevistas foram realizadas durante o ano letivo de 2023, com alunos de 14 a 19 anos, e novos resultados foram apresentados terça-feira (26). 

Um dos achados do levantamento, vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Violência, Saúde e Acidentes (Lavisa) da Ufes, revela que a maconha e o haxixe (composto derivado da cannabis) foram experimentados por 17,6% dos estudantes, dos quais 7% mantiveram o uso. No comparativo de alunos de escolas públicas e privadas, 18,6% e 14,5%, respectivamente, disseram já ter experimentado a droga. Na rede pública também é mais prevalente o uso de cigarros comuns.

Por outro lado, cigarros eletrônicos — também chamados de vapes e pods — e narguilés são mais presentes entre alunos de escolas particulares, que representam 26,6% dos consumidores, ante os 20,9% das públicas. Vale ressaltar que, nesse caso, não há apenas a restrição por faixa etária.

Secretaria de Estado de Saúde (Sesa) já emitiu alertas sobre o uso de cigarros eletrônicos entre os jovens, sinalizando que, no país, é proibida a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento e transporte desses produtos, mas, ainda assim, adolescentes entrevistados para a pesquisa declararam ter acesso a eles em bares, padarias, entre outros estabelecimentos comerciais. 

O uso de emagrecedores e outros estimulantes também se mostra mais frequente entre alunos da rede particular. Um aspecto que chama a atenção, nesse caso, é o fato de os remédios serem utilizados sem receita médica, às vezes, porque o adolescente pega o produto escondido; em outras ocasiões, porque recebe diretamente de um familiar. Em qualquer situação, é dentro de casa que está a principal fonte para o consumo indevido desse tipo de droga. 

Uso de drogas aumenta entre os estudantes do ensino médio
Drogas como maconha, cocaína e ecstasy estão ao alcance de alunos de escolas públicas e privadas do Espírito Santo . Crédito: Fernando Madeira (simulação)

 O estudo aponta, ainda, que as meninas estão à frente dos garotos na experimentação de drogas lícitas e ilícitas — do cigarro, passando pela maconha até os emagrecedores, com uma diferença percentual crescente. Mas é o uso de tranquilizantes sem receita médica que apresenta a maior disparidade por gênero: a prevalência entre as adolescentes foi de 22% ante os 10% dos meninos. 

Elas também bebem mais: enquanto 67% das garotas relataram o consumo de bebida alcoólica, entre os adolescentes o índice foi de 59%. 

Doutora em Epidemiologia e professora da Ufes, Franciéle Marabotti afirma que o estudo visa demonstrar a realidade local sobre o uso das drogas entre os adolescentes que, em sua avaliação, apresenta-se como um grave problema de saúde pública, de segurança e também para o desenvolvimento físico e mental dos jovens.

"Há registros de adolescentes que começaram a experimentar as drogas ainda na infância, antes dos 10 anos, o que é extremamente preocupante. É nessa fase da vida que o corpo e o cérebro estão em processo de crescimento. O impacto no desenvolvimento cerebral afeta o raciocínio, a memória, a interação social, o rendimento escolar e até a inserção desses jovens na sociedade", pontua Franciéle, coordenadora da pesquisa. 

A pesquisadora diz que os principais motivos relatados pelos adolescentes para o uso das drogas são a redução do estresse, a busca por relaxamento e a interação com amigos.

E onde eles conseguem os produtos destinados a maiores de 18 anos?

  • 39,2% dos alunos afirmaram que compraram em lojas, bares, padarias ou bancas de jornal; 
  • 20,9% disseram ter consumido em festas;
  • 17,3% relataram ter conseguido com algum familiar.

Franciéle Marabotti

Doutora em Epidemiologia e professora da Ufes

É crucial que seja fortalecida a rede de proteção ao adolescente, envolvendo escola, família e serviços de saúde, ampliando e aprimorando as políticas de prevenção já existentes

Ações

Realizada em parceria com a Subsecretaria de Estado de Políticas sobre Drogas (Sesd), vinculada à Secretaria de Estado do Governo (SEG) e com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), a pesquisa deverá subsidiar novas políticas públicas, sobretudo na área de prevenção. 

O subsecretário Carlos Lopes observa que muitos ainda têm o entendimento de que prevenção às drogas se faz com palestras e cursos moralizantes, mas os estudos têm mostrado que, para evitar o uso de entorpecentes, é preciso focar no fortalecimento de estratégias de proteção social e no desenvolvimento das habilidades socioemocionais, em vez de discursos repressivos que, na maioria das vezes, têm efeito reverso com os jovens. 

É preciso, segundo ele, ajudar os adolescentes a lidar com as dificuldades, as frustrações da vida, com o sentimento de não pertencimento, ou de não possuir um produto de consumo que poderia lhe dar acesso a um determinado grupo. "Então, como governo do Estado, estamos desenvolvendo um plano macro de políticas públicas", afirma o subsecretário, citando algumas iniciativas, como os Centros de Referência da Juventude (CRJs), o Bolsa Capixaba e as escolas de tempo integral. 

"São políticas que fortalecem esses fatores de proteção social, especificamente no campo das políticas de drogas", reforça.

Carlos Lopes conta ainda que todas as escolas da rede pública estadual receberam um material didático pedagógico inédito, de prevenção ao uso de drogas, para os professores trabalharem em sala de aula. Com esse recurso, ressalta o subsecretário, a ideia é desenvolver as habilidades socioemocionais dos alunos e demonstrar para eles que é possível ter um projeto de vida que não passe pelo mundo das drogas, seja pelo consumo, seja no tráfico. 

Carlos Lopes

Subsecretário estadual de Políticas Sobre Drogas

Devemos valorizar e preservar o diálogo. Não adianta termos uma abordagem moralista e de cunho opressor que vá espremer o adolescente, pois isso causa um efeito reverso na mente dele

governo do Estado também implementou neste ano o primeiro centro de prevenção comunitária, que oferece atividades artísticas, esportivas e de reforço escolar para 120 crianças de 6 a 14 anos. O piloto foi instalado no bairro Itararé, em Vitória, mas Carlos Lopes afirma que a ideia é levar a proposta para outras regiões consideradas vulneráveis. Além dessas ações, a pesquisa deverá sustentar o desenvolvimento de outros projetos, inclusive com foco nas meninas devido à maior prevalência de uso de drogas entre elas. 

Franciéle Marabotti, coordenadora da pesquisa, considera importante ter um olhar para o público feminino. "Outros estudos já demonstraram essa tendência entre as meninas, inclusive de começar o consumo mais cedo. Trabalhar a questão da igualdade de gênero nas escolas é fundamental, até para discutir as escolhas que têm sido feitas e os impactos do consumo de drogas agora e no futuro."

O levantamento mostrou, ainda, que a experimentação de drogas não tem nada a ver com falta de informação. Dos entrevistados, 90% disseram já ter sido alvo de campanhas educacionais sobre a prevenção ao uso de entorpecentes, mas isso não os impediu de consumir. Outro ponto da pesquisa é sobre o acesso às drogas em bares, lojas e outros estabelecimentos. Questionado sobre a fiscalização, Carlos Lopes comenta que essa atribuição cabe às prefeituras, mas ressalta que a prevenção deve ser um trabalho de todos.

"Sobretudo por meio da conscientização desses proprietários de estabelecimentos, assumindo a responsabilidade de que não podem legalmente vender cigarros e bebidas alcoólicas para adolescentes. Mas todos nós somos responsáveis. Se virmos um estabelecimento praticando tal ato, somos responsáveis de fazer a denúncia como cidadãos", frisa. 

Na rede privada, o presidente do Sindicato das Empresas Particulares de Ensino do Espírito Santo (Sinepe-ES), Moacir Lellis, diz que as instituições de ensino associadas foram apresentadas ao Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), da Polícia Militar do Estado (PMES).

“Para além disso, firmamos uma parceria com a Companhia Independente de Polícia Escolar para a realização da capacitação em segurança escolar para os gestores educacionais, durante a qual os militares abordam a importância de observar e conversar com os alunos em relação aos malefícios do uso de drogas”, aponta Moacir Lellis.

Mas ele ressalta que a entidade não interfere na autonomia das escolas com relação ao debate e orientações sobre o assunto. Segundo Moacir Lellis, cada instituição de ensino tem liberdade para definir suas regras de acordo com seu entendimento e legislação vigente.

Moacir Lellis

Presidente do Sindicato das Empresas Particulares de Ensino do Espírito Santo (Sinepe-ES)

Acreditamos que prevenção e diálogo devem andar juntos e que ainda são considerados os melhores caminhos para que danos futuros sejam evitados

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