Publicado em 8 de julho de 2020 às 18:14
Aos quatro meses de gestação, Jacieli Pego Ramos Bolonese, de 31 anos, perdeu o quarto filho. Mãe de dois meninos e uma menina, ela já tinha escolhido até o nome do futuro bebê: Lucas Gabriel, se fosse do sexo masculino, ou Ana Carolina, se viesse do sexo feminino. Mas os planos para chegada de mais uma criança foram interrompidos na última sexta-feira (3).
A indígena, que estava com a Covid-19, sofreu um aborto espontâneo em casa e ao ser levada para o hospital, diz que passou por momentos traumáticos. Um deles foi receber o feto do filho dentro de um recipiente de plástico, feito com uma garrafa de soro.
Jacieli Pego Ramos Bolonese
Indígena da etnia TupiniquimAinda se recuperando do trauma, Jacieli, indígena da etnia Tupiniquim, que mora na aldeia Caieiras Velhas, em Aracruz, no Norte do Espírito Santo, contou que só descobriu o sexo do futuro bebê quando pegou o feto nas mãos. Ainda não tinha dado tempo de fazer o ultrassom, então só soube o sexo quando peguei o feto do meu filho, eu vi que era o meu Lucas Gabriel, se emocionou Jacieli.
Mãe de Daniel, 13 anos, Samuel 9 anos e Ana Valentina, de 2 anos, Jacieli relata que ela e o marido, David Bolonese, não planejavam o quarto filho, mas acreditavam que o bebê era um presente de natal, já que o nascimento estava previsto para o dia 25 de dezembro.
Em entrevista para A Gazeta, ela contou como estava a expectativa para chegada da criança, revelou como foram os momentos ao lado do feto no hospital e como se recupera do drama de perder o quarto filho ainda na gestação.
"Eu descobri no mês de junho e já estava, inclusive, fazendo as primeiras fotos da minha gestação. Estava também pensando em como adaptar a minha casa para receber o meu quarto filho. Já tinha escolhido o nome com meu marido, seria Lucas Gabriel, se fosse do sexo masculino, ou Ana Carolina, se viesse do sexo feminino. Junto a isso eu estava sentindo as dores e apresentado os sangramentos".
"Eu cheguei a sentir meu filho se movimentando dentro de mim. Também sentia muitas dores e comecei a apresentar o sangramento".
"Eu fiquei sozinha com o feto dele. Então, peguei o feto e comecei a imaginar como seria o meu filho. Ele já estava todo formadinho, tinha entre 10 e 12 centímetros, quando estava esperando no hospital eu fiquei imaginando o corpo dele todo formadinho, eu sentia que ele estava lá comigo. Eu pegava as mãozinhas dele entre os meus dedos. O pezinho era do tamanho da minha unha".
"No dia de entregar o feto para a equipe de saúde também foi muito complicado. Como já tinha se passado alguns dias desde o aborto, e ele estava naquele pote de plástico, meu filho que estava começando a se formar foi entregue totalmente roxo para as pessoas do hospital. Já não se parecia mais com uma criança".
"Eu me encontro com cansaço mental e psicológico, eu lembro de cada passo do que me aconteceu, foi muito pesado. Eu estou tendo força com o carinho que eu estou recebendo das pessoas, mas é uma situação muito desgastante fisicamente e psicologicamente. É impossível não lembrar do meu Lucas Gabriel".
Em nota, o Hospital e Maternidade São Camilo chamou a situação, de entregar o feto para a mãe em um frasco improvisado, de fato isolado, e acrescentou que não é uma prática comum do hospital. A instituição destacou ainda que abriu uma sindicância interna para apurar os fatos.
A instituição destacou ainda que tem "a orientação do município que a família ou o paciente entregue as peças para o histopatológico na Casa Rosa (serviço municipal responsável pelo envio de materiais)".
O hospital também afirmou que não é responsável pelas análises de biópsias e histopatológicos dos fetos e atende a solicitação do município nesses casos. A direção do hospital destacou que fez um realinhamento com a secretaria municipal de saúde, para que o material coletado ou recebido pela instituição seja encaminhado diretamente para a Casa Rosa.
"Assim que tomamos ciência de vídeos e ligações de lideranças comunitárias, imediatamente enviamos uma equipe do hospital para recolher o feto para reduzir o constrangimento aos familiares e ligamos para a secretaria de saúde para apoiar no caso", destacou.
A Secretaria de Saúde de Aracruz (Semsa) informou que ao ser acionada pelo Hospital Maternidade São Camilo (HMSC) e tomar conhecimento da situação, encaminhou uma equipe ao hospital para buscar o material e levar até a Casa Rosa, órgão responsável por encaminhar para o laboratório em Vitória para a realização do exame histopatológico.
A Semsa destacou ainda que a indígena pode procurar os serviços de psicologia e assistência social oferecidos pelo município.
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