Há 25 anos, do dia 17 de março ao 6 de maio de cada ano, o artista plástico Kleber Galvêas deixa uma tela em branco na varanda de seu ateliê, em Vila Velha, exposta ao tempo. Nesse período, o item acumula pó preto e poeira, que depois servem de "tinta" para o pintor desenhar suas obras de arte à base de poluição.
A ideia inicial do projeto "A Vale, a Vaca e a Pena" era provocar as autoridades sobre a seriedade do problema que o minério de ferro no ar pode causar, mas até hoje lamenta que não teve sucesso. Depois de tantos anos na mesmice, a única esperança do artista capixaba é mesmo a de fazer com que mais alguém se interesse pelo tema tanto quanto ele.
“Nesses anos todos, eu só colecionei fracasso, sem nenhum retorno, mas a gente persiste. O que faço é uma provocação artística, não um experimento científico. Também sinto falta de universidades e escolas, principalmente a escola técnica, terem interesse em realizar algo mais científico para provar o lado técnico da coisa”, avalia.
Segundo o artista, no entanto, não é tão difícil verificar que o pó que fica acumulado, de fato, contém ferro e outros metais pesados. Por diversos episódios Kleber já fez o experimento de colocar o insumo de sua arte em um papel e “brincar” com um imã do outro lado do papel. “O resultado é que o pó fica ‘dançando’ em cima do papel, o que mostra que algo que imã atrai, ali, está presente no meio daquela poeira”, justifica.
O passo a passo de Kleber, há 25 anos, é assim: primeiro, ele deixa as telas expostas na varanda de seu ateliê. Um local arborizado e fresco, que fica, inclusive, semi-protegido dos ventos com árvores que estão plantadas no espaço. Depois, ele espera os 50 dias e não mexe no local de trabalho. Quando as telas ficaram tempo suficiente ao tempo, ele reúne a poeira acumulada e desenha, com os dedos, alguma “pintura” que também cumpra o papel social de protesto.
“Cada ano o desenho tem um tema. Veja você que eu pensei que logo no primeiro ano algo fosse mudar. Da primeira vez, desenhei um labirinto com as palavras ‘Encontramos a saída?’. Porque uma das mineradoras da Grande Vitória havia sido privatizada e havia-se essa ideia de que o governo, então, olharia com outros olhos para a poluição. Mas não... Ano passado pintei um sujeito com uma máscara escrito ‘pó preto’ e esse ano, uma ave de rapina com o título ‘asa negra’. Asa negra é aquele cara chato, que fica sempre atrasando sua vida, em cima de você... E no desenho ela está voando pela cidade, uma cidade portuária, pelas chaminés de uma empresa dessas”, confidencia.
Anualmente, ele também abre as portas de seu ateliê para mostrar ao público a coleção de obras de arte feitas com o pó. Até hoje, ele calcula que mais de 200 mil pessoas já tenham passado por lá para ver os itens e neste ano ele deixará a entrada livre até o dia 6 junho. “Mas estão todas aqui, ficam aqui comigo. Mas não são minhas. Elas são de todo mundo, de todo cidadão. No primeiro ano, a Vale teve até interesse em compra-las. Dois diretores estiveram no ateliê para vê-las de perto e negociar, mas me neguei”, lembra.
Ao longo dessas décadas de obras de arte de protesto, Kleber também já tentou chamar mais a atenção do poder público e de reitores até discursando na tribuna da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales). Em diversos vídeos na internet, ele aparece explicando os males do pó preto e suas consequências a longo prazo, mas também lamenta nunca ter atingido seus objetivos com as ações.
“Na primeira vez, a TV Gazeta foi fazer uma matéria sobre os quadros no ateliê. A repórter mostrou que fizemos 10 telas. Naquela ocasião, pensei que logo naquele ano tudo seria resolvido (risos). Com o tempo, conto mesmo com o apoio da mídia para manter a repercussão sempre acesa. Tenta marcar um otorrino no Espírito Santo. É um mês de espera no mínimo. As pessoas já estão doentes com isso, mas ninguém fala nada”, contrapõe.
E termina: “É claro que têm diversos fatores que têm que ser levados em conta. Tem ano que chove mais, que venta mais... Tudo isso influencia. Mas, a cada ano, vejo a intensidade do pó preto piorar. Do ano passado para esse, a tela ficou muito mais escura. É nítido. Como te disse, é uma provocação artística, não pesquisa científica. Mas por isso vejo tanto a necessidade de algo científico, técnico nesse tema”.
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