Publicado em 24 de setembro de 2020 às 09:00
Algumas mulheres gostam de culpar o sexismo por seus fracassos, em vez de admitir que não se esforçaram o suficiente. A frase, que soa atual - principalmente com o avanço de movimentos conservadores no cenário político mundial -, foi dita na década de 1970, tornando-se umas das marcas registradas de Phyllis Schlafly, que, na ficção, é interpretada com brilhantismo por Cate Blanchett na minisérie "Mrs. América", que estreia na próxima terça (29), às 23h, na Fox Premium. >
Schlafly, advogada, dona de casa e ativista da extrema-direita (chegou a ser uma das responsáveis pelo avanço da campanha que elegeu Donald Trump, em 2016), foi símbolo do movimento antifeminista norte-americano, que, nos anos 70, lutou com unhas e dentes contra a votação da "Equal Rights Amendment" (a emenda dos direitos iguais) .>
Hoje, em uma sociedade com mulheres atuantes, causa estranheza saber que uma delas lutou contra a opção do aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a chance de mulheres servirem as forças armadas e a oportunidade de terem os mesmos direitos trabalhistas que os homens. A alegação de Phyllis, que chegou a se candidatar ao congresso, era de que, com as mudanças, as donas de casa perderiam seus privilégios. >
Phyllis Schlafly soube capitalizar sua notória capacidade de mobilizar as massas para defender ideais conservadores. Paranoica em relação à segurança de seu país - sentimento que permeia quase todos os seguidores do Partido Republicano - ela foi coautora do livro "The Conservative Case for Trump", lançando pouco antes de sua morte, em 2016. >
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Na obra, descreve as posições de Trump sobre questões políticas e de segurança pública, convocando os conservadores a votar no candidato vencedor do pleito para a presidência dos Estados Unidos naquele ano. >
Polêmicas à parte, "Mrs. América", atração em nove capítulos criada por Dahvi Waller (a cabeça pensante por trás de "Mad Men"), acerta ao não promover juízo de valor sobre as ações de Phyllis. O talento de Blanchett, uma feminista convicta, humaniza o personagem. >
Schlafly, em nenhum momento, é retratada como vilã (adjetivo que realmente não lhe coube), mas sim como uma mulher que lutou pelo direito de se expressar e defender suas ideias políticas e sociais. >
Também é acertada a opção por criar capítulos multitemáticos, que centram suas forças em desvendar personagens com pensamentos progressistas e conservadores, como Gloria Steinem (Rose Byrne, em ótima atuação), Betty Friedan (Tracey Ullman, brilhante atriz), Bella Abzug (Margo Martindale), Jill Ruckelshaus (Elizabeth Banks) e Shirley Chisholm (Uzo Aduba). >
Chisholm, a primeira mulher e negra a concorrer à presidência dos Estados Unidos, deu a Uzo Aduba o Emmy de Melhor Atriz Coadjuvante recentemente. >
A participação ativa da personagem ressalta o sentimento de inclusão que permeia a minissérie. Shirley Chisholm representou uma luta muitas vezes esquecida pelo próprio movimento feminista: os percalços da mulher negra. >
O olhar sensível de Dahvi Waller conduz uma trama que prima pela elegância, seja na reconstrução de época impecável - fruto da atenta direção de arte de Kimberley Zaharko ("X-Men: Fênix Negra") - ou mesmo na compacta atuação de suas atrizes. >
Sim, faltam personagens masculinos fortes, o que os mais conservadores, como Phyllis Schlafly, poderiam chamar de misandria. O pecado, se realmente existe, é compensado por uma atração que promove um debate atual sobre os direitos e os deveres da mulher, assuntos sempre pertinentes em uma sociedade onde o homem ainda é a força dominante. >
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