Publicado em 5 de novembro de 2022 às 10:00
Impactado pelas novas tecnologias, o ensino nas escolas de educação básica está passando por profundas mudanças nos últimos anos. Cada vez mais, o modelo tradicional de aprendizado, centrado na figura do professor como único transmissor de conhecimento, vem sendo substituído por metodologias ativas, que dão mais autonomia para os alunos desenvolverem suas habilidades. >
Um exemplo de metodologia ativa que está sendo aplicada em escolas do Espírito Santo é a gamificação, que consiste em usar elementos de jogos para chamar a atenção dos alunos e engajá-los com o conteúdo proposto pelo professor. >
Mas, na prática, como isso acontece? Em linhas gerais, a metodologia se utiliza dos conceitos, das regras e do design de jogos — também chamados de games — para tornar o ensino mais divertido.>
O gerente de operações da Escola São Domingos (ESD), Henrique Romano Carneiro, explica que, atualmente, existem muitos recursos digitais e analógicos para introduzir a gamificação na educação. No entanto, antes é preciso entender os fundamentos da metodologia. >
>
“Os exemplos são quase infinitos, mas o mais importante são os fundamentos da gamificação, como a inclusão de fases, o senso de competição, o senso de passar e vencer etapas, além de todo o aspecto lúdico da atividade. São vários elementos que os jogos trazem e que a educação tenta usar como referência”, pontua.>
Segundo Henrique, a gamificação é uma metodologia de intencionalidade. Ao ser aplicado, o jogo precisa ter uma função pedagógica bem definida. Exemplos: obter um feedback rápido da classe sobre o conteúdo ensinado, revisar ou introduzir um novo assunto ou ajudar no desenvolvimento de habilidades específicas.>
O mesmo entendimento é compartilhado por Douglas Ferrari de Melo, professor no Departamento de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Para ele, não basta apenas aplicar recursos de gamificação para deixar o ensino mais atrativo. É preciso usá-los de maneira estratégica. >
“Não é jogar por jogar. Se você deixa o aluno solto, jogando sem objetivo ou com metas claras, a função pedagógica se perde”, afirma.>
Em um passado nem tão distante, o ensino era dividido em duas fases distintas. Enquanto na educação infantil se usavam jogos e atividades lúdicas regularmente, com o avançar das séries, essas práticas eram deixadas de lado. No ensino médio, eram quase inexistentes. >
Mas o modo de se pensar a educação básica precisou mudar e muito rápido. Pela primeira vez, as salas de aula são ocupadas por crianças e adolescentes totalmente nascidos no século XXI. >
As gerações Z e Alpha estão habituadas a usar diversos aparelhos eletrônicos, como tablet, celular e videogame. Esses novos alunos são ágeis, versáteis e empáticos, mas também sofrem com a falta de concentração e paciência para lidar com atividades complexas ou de longa duração. >
Diante dessas novas questões, o governo federal publicou, entre 2017 e 2018, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O documento, que define os conjuntos de competências a serem trabalhados em todas as etapas da educação básica, determina, entre outras coisas, que o aluno assuma o protagonismo do seu processo de aprendizagem. >
Nesse contexto, as escolas também foram atrás de outras abordagens pedagógicas, como a gamificação. Mas, embora o aluno de hoje viva rodeado pela tecnologia, essa estratégia não se resume ao uso de recursos digitais. >
Segundo o professor Douglas Ferrari de Melo, jogos que fazem parte da memória afetiva de outras gerações também são opções para aplicar a gamificação. Ele dá como exemplo o jogo de tabuleiro War, que pode ser usado para ensinar, de forma lúdica e divertida, conteúdos de História e Geografia. >
Douglas Ferrari de Melo
Professor no Departamento de Educação da Ufes
Em Vitória, a Escola São Domingos (ESD) usa a gamificação em diversas etapas do ensino. “O professor é capacitado para introduzir, constantemente, os elementos de jogos no dia a dia. Ele pode, por exemplo, durante a aula, lançar um desafio que deve ser resolvido por toda a classe em um tempo definido. Com isso, o professor consegue ter uma resposta rápida se a turma compreendeu o conteúdo”, explica Henrique Romano Carneiro, gerente de operações da ESD.>
Outro jogo interativo usado é o Kahoot, uma plataforma on-line de quiz, com perguntas e respostas, que também mede o desempenho dos alunos. Já o Minecraft Education, versão pedagógica do jogo de blocos mais famoso do mundo, usa os elementos da tabela periódica para fixar o conteúdo.>
Mas além do uso da gamificação nas disciplinas regulares, a Escola São Domingos investiu em uma metodologia própria, o The Box, que funciona em uma sala criada exclusivamente para o projeto. >
Todas as séries com alunos a partir dos 7 anos de idade participam do The Box. Na sala especial, a turma se divide em grupos de até cinco pessoas e cada equipe precisa trabalhar na busca por soluções para o desafio proposto.>
Seguindo os fundamentos da gamificação, os desafios do The Box devem ser completados durante um tempo determinado, dividido em cinco fases. O objetivo é estimular a autonomia do aluno, potencializando o seu entendimento como sujeito ativo, capaz de ir em busca do seu próprio conhecimento. >
“A gamificação ajuda a desenvolver habilidades críticas e muito importantes para o aluno do século XXI, como, por exemplo, saber trabalhar em grupo, administrar o tempo, lidar com a pressão, saber ganhar e também aprender a perder. Os alunos que passaram mais vezes pelo The Box desenvolveram uma capacidade maior de resolver problemas de maneira ativa e propositiva”, observa Henrique. >
Localizada em Vitória, a Crescer PHD investe há mais de três anos em diversas estratégias para inserir a gamificação no dia a dia da escola. E uma plataforma digital que usa elementos dos jogos on-line está entre as preferidas dos estudantes. >
Funciona assim: cada aluno tem um avatar e, à medida que completa as atividades pedagógicas — que são chamadas de trilhas —, ele ganha moedas para comprar vestimentas, trocar a cor do cabelo ou adquirir algum poder especial. >
Somente os professores podem liberar o acesso às trilhas na plataforma. “Os alunos amam e estão sempre pedindo para fazer mais atividades”, conta Claudia Bachour Santos Neves, diretora da Crescer. >
De acordo com Claudia, ao abrir uma trilha, o professor pode limitar o tempo que os alunos terão para cumprir as tarefas. “Assim que a trilha é fechada, o professor tem acesso aos resultados e sabe, por exemplo, quanto tempo cada aluno levou para finalizar os exercícios. Ele consegue fazer um diagnóstico do desempenho da turma, o que foi aprendido e o que precisa ser reforçado”, afirma. >
Para o ensino da Matemática, a escola utiliza como atividade complementar os jogos da plataforma Matific, voltados para crianças da educação infantil e do ensino fundamental. O desempenho de cada aluno é registrado e pode ser consultado pelo professor. >
Já para fazer da leitura um hábito divertido, a Crescer PHD utiliza a famosa plataforma Árvore, premiada por suas soluções pedagógicas criativas. Ao abrir o aplicativo, o aluno tem como missão irrigar árvores. Quanto mais livros ele lê, mais recompensas ganha para cuidar das árvores, fazendo a floresta crescer.>
Outra metodologia inovadora aplicada pela unidade de ensino é a Cultura Maker, que transforma o ambiente escolar em um espaço de descobertas e inovação. Durante as oficinas, os alunos colocam a mão na massa e criam protótipos, brinquedos e outros tipos de projetos. Tudo isso usando ferramentas manuais, como materiais de marcenaria e componentes de eletrônica.>
O projeto, realizado em parceria com a Nave à Vela, é centrado em quatro eixos: competências socioemocionais, empreendedorismo, design e tecnologia.>
A gamificação é uma metodologia ativa que envolve regras, metas e recompensas. Ao saber que a atividade tem objetivo definido, o aluno se engaja para completá-la.
Um dos objetivos da gamificação é tornar o aluno mais autônomo para tomar decisões e se posicionar melhor diante dos desafios.
O jogo estimula o aluno a ter paciência e a pensar estrategicamente. A longo prazo, o método pode ajudar a reduzir a ansiedade e aumentar o poder de concentração.
Ao finalizar tarefas e avançar no jogo, o aluno pode se interessar mais pelo assunto abordado e buscar outras referências para ampliar o conhecimento.
Muitos jogos permitem que o professor confira os resultados assim que a tarefa é finalizada. Isso o ajuda a entender quais são as lacunas no processo de ensino-aprendizagem.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta