Violência contra a mulher: Estado tem o dever de meter a colher, não o tráfico

Os traficantes não são heróis, agem para se proteger, acima de tudo. A falsa proteção dos grupos criminosos é uma ação que deve ter reação imediata do poder público em todos os seus pontos de contato

Publicado em 07/12/2023 às 01h00
Especial
Mulheres em comunidades deflagradas. Crédito: Ilustração/Larissa Pereira

Ditados podem sim ser desditos, como comprova a transformação do ultrapassado "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". A escalada da violência doméstica arrancou essa tragédia social da esfera íntima para torná-la pública, discutida abertamente e denunciada, com um aprimoramento legislativo e de políticas públicas de proteção à mulher. A Lei Maria da Penha é, sem dúvida, ponta de lança nesse enfrentamento.

Mas, se a superação do machismo do qual emerge tanta violência ainda parece distante para todas as mulheres, há aquelas que sofrem mais, por não serem abraçadas pelo aparato de Justiça e de repressão do Estado. A repórter Natalia Bourguignon realizou uma série de reportagens com foco nas mulheres que, vivendo em bairros dominados pelo tráfico, encaram uma situação controversa: ao não serem alcançadas pela proteção do Estado, as regras impostas pelos criminosos acabam encontrando uma brecha que reforça o poder paralelo.

Carolina (nome fictício)

Vítima de violência doméstica

"Quando ele chegou, o povo do tráfico deu uma surra nele, botou ele pra correr. Agora eu estou segura"

O relato acima é de uma mulher que, por desespero, alugou uma casa em uma comunidade dominada pelo tráfico para tentar bloquear a aproximação do marido violento que já havia a ameaçado de morte. Na ocasião, relatou que sofreu com a demora do atendimento policial.

Há um ponto que não pode passar batido: a atitude desses traficantes não tem nada de benevolente. Ditar regras que proíbem homens de agredirem mulheres no território que dominam é uma questão de sobrevivência do próprio crime: a polícia deve se manter o mais distante possível.  As próprias mulheres vítimas da violência nessas comunidades temem acionar a polícia, porque podem ser consideradas delatoras. Chegam a abrir mão da Patrulha Maria da Penha, que realiza visitas tranquilizadoras. Vivem, portanto, alguns dilemas.

Dilemas que nem sempre são levados em consideração pelo aparato estatal, destacado para garantir o cumprimento da lei. No Espírito Santo, o secretário de Segurança Pública, Alexandre Ramalho, afirma que não há notificação de casos em que a polícia não teria conseguido chegar até alguma mulher que tenha pedido socorro por conta do bairro onde mora. Mas o problema tem nuances que vão além disso.

Não pode haver dúvidas de que mecanismos que funcionam para proteger tantas mulheres, como medidas protetivas, botão do pânico, visitas tranquilizadoras,  estejam alcançando as necessidades  dessas mulheres vulneráveis. Os traficantes não são heróis, agem em benefício próprio, para se proteger e amparar suas ações criminosas, acima de tudo. Por tudo isso, as mulheres desamparadas por essa rede protetora estatal precisam contar com o olhar atento dela. 

A falsa proteção dos grupos criminosos é uma ação que demanda reação imediata do poder público em todos os seus pontos de contato, para que a autoridade das nossas polícias, da Justiça, do Ministério Público prevaleça sempre, e a proteção efetiva dessas mulheres aconteça, dentro dos parâmetros da lei.

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