Recuperar o sentido real da cidadania é a cura para uma sociedade doente

É uma noção que escapa ao entendimento diante de tantos comportamentos marginais, normalizados pela impunidade

Publicado em 11/07/2020 às 06h00
Atualizado em 11/07/2020 às 06h02
Mulher ofende fiscal da Prefeitura do Rio
Vídeo com casal ofendendo fiscal da Vigilância Sanitária do Rio viralizou na internet. Crédito: Reprodução/TV Globo / Estadão

A letra de “Senhor Cidadão”, canção de Tom Zé lá do início dos anos 70, manda alguns recados aos cidadãos de 2020. “Me diga por quê/Você anda tão triste/Não pode ter nenhum amigo/Na briga eterna do teu mundo/Tem que ferir ou ser ferido”. Versos que se encaixam perfeitamente aos impasses da vida em sociedade, visivelmente adoecida em suas relações contemporâneas. Ao passo de “cidadão” ser encarado como ofensa.

reação da engenheira química ao tratamento que o seu marido recebeu de um agente da Vigilância Sanitária do Rio, registrada pelas câmeras do Fantástico no último domingo, diz mais sobre o Brasil do que a mera carteirada explícita na frase “cidadão, não, engenheiro civil formado... melhor do que você”.

Palavras que refletem um modus operandi arraigado ao jogo social desde que os primeiros portugueses deram as caras por aqui. Certamente uma expressão a se igualar à manjada “você sabe com quem está falando?”.

O que há de mais novo é a própria perda de sentido do que é cidadania. Sintomático, portanto, que desde a última década tenha se tornado necessário acrescentar um reforço à palavra para que ela se ressignificasse: o cidadão de bem. Sem se dar conta de que “cidadão” deveria bastar para definir o indivíduo ciente de seus direitos e deveres e do seu papel definitivo na coesão social.

É uma noção que escapa ao entendimento diante de tantos comportamentos marginais, normalizados pela impunidade. E com uma carga de superioridade moral que acaba sempre derrapando nos deslizes considerados “menores”, como a corrupção do dia a dia.

Basta ver o volume de pagamentos indevidos do auxílio emergencial. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que mais de 620 mil brasileiros receberam a ajuda governamental, criada para suavizar os efeitos econômicos da pandemia, sem terem direito ao benefício. É má-fé ancorada pelo próprio patrimonialismo, na maioria das vezes associado somente aos agentes públicos. O sentimento de que, por ser dinheiro público, o direito a ele é inalienável a qualquer cidadão. É possível falar em cidadania, nesse caso? De forma alguma.

Esse adoecimento social ganha outros contornos também com a distorção deliberada de que as fake news se enquadram na liberdade de expressão. Mentir descaradamente para manipular os incautos se tornou, para alguns, um direito do cidadão. Que cidadão é esse que defende tamanha arbitrariedade?

Não há cidadania com racismo e violência; qualquer tipo de discriminação torna os laços sociais mais frágeis. Não há cidadania com negligência, diante de uma criança que chora por sua mãe. Cidadania plena é ter voz e acesso a oportunidades, com responsabilidades na mesma medida. Recuperar seu real sentido tornou-se vital para a construção de uma sociedade mais saudável.

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