Ataque na Vila Rubim: estratégia tem que falar mais alto do que fuzis

No fim de semana, bandidos atiraram a esmo e deixaram dois mortos e oito feridos em Vitória, por conta de disputa de gangues. O emaranhado da violência imposta pelo narcotráfico exige engenho e inteligência do poder público

Publicado em 18/03/2020 às 05h00
Atualizado em 18/03/2020 às 05h01
Mulher baleada na Vila Rubim, no Centro de Vitória. Crédito: Natalia Devens
Mulher baleada na Vila Rubim, no Centro de Vitória. Crédito: Natalia Devens

Dos flagelos causados pela violência urbana, poucos se aproximam tanto da incivilidade como tiros disparados a esmo, interrompendo vidas e deixando um rastro de pânico e indignação. O Espírito Santo, infelizmente, tem sido pródigo em ocorrências de tiroteios e balas perdidas, e uma das mais recentes é crivada de barbarismo. No último domingo (15), quatro homens em duas motocicletas passaram atirando na Vila Rubim, em Vitória, atingindo dez pessoas que estavam na rua. Duas delas faleceram.

A cena aconteceu ao sol de pouco mais de meio-dia, numa clara evidência da ousadia dos bandidos, sustentada na convicção da impunidade. Uma câmera flagrou o momento dos disparos e a correria de quem estava na rua Construtor Vitorino Teixeira. O local é conhecido como ponto de uso de crack e abrigo para pessoas em situação de rua, outras das calamidades dos grandes centros frouxamente combatidas.

As vítimas das balas perdidas são alvo de uma triste aleatoriedade, mas as causas dos tiroteios não são fortuitas, como defende o professor de mestrado em Segurança Pública e colunista de A Gazeta Henrique Herkenhoff. “Disparos de armas de fogo podem acertar quem não tinha nada a ver com a história, mas sempre havia um destinatário; vítimas de balas perdidas e criminosos mortos não são acontecimentos separáveis”, escreveu, ao comentar a emblemática morte da menina Alice, atingida por tiros enquanto brincava no quintal de casa, em fevereiro deste ano, em Vila Velha.

No dia seguinte ao ataque na Vila Rubim, investigações apontavam que os disparos estavam relacionados a homicídios cometidos em Cariacica. Uma das motos utilizadas pelos criminosos em Vitória foi encontrada no bairro Presidente Médici, no município vizinho, onde dois homens haviam sido assassinados dias antes.

A linha de investigação expõe o emaranhado das guerras de gangues, que explodem em mortes, toques de recolher e expulsões de moradores nas comunidades do Estado. Segundo o Secretário Estadual de Segurança Pública, Roberto Sá, as mortes nas duas cidades têm como raiz a disputa entre traficantes de Cariacica e traficantes da região do Bairro da Penha.

Ambas as regiões recebem ações do poder público de combate à criminalidade. Enquanto Cariacica integra o projeto-piloto do programa Em Frente, Brasil, do governo federal, o bairro da Capital é um dos locais em que se desenrola a Operação Anóxia, da administração estadual, que tem como objetivo sufocar o narcotráfico no Espírito Santo. A gestão do governador Renato Casagrande anunciou ainda a meta de prender 60 gerentes do tráfico somente neste ano.

Se os objetivos são ambiciosos e louváveis, os resultados, no entanto, ainda são pouco perceptíveis, como demonstra o cruel episódio de que a Vila Rubim foi palco. Já em Cariacica, em menos de 24h do último fim de semana o município registrou pelo menos cinco crimes contra a vida, com saldo de três mortes.

O novelo da violência imposto pelo narcotráfico exige engenho e estratégia, para que se mitigue o poderio das facções do interior dos presídios à esquina dos bairros, enfrentando os líderes e protegendo os possíveis cooptados para esse exército. Muito pouco será alcançado se o poder público não investir, com ações estruturantes, no que a força bruta nunca conquistará sozinha. Em um cenário de desaceleração econômica mundial, com efeitos certos na saúde financeira dos governos e da população, a inteligência precisará falar ainda mais alto que os fuzis.

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