Publicado em 8 de janeiro de 2024 às 16:17
As companhias aéreas brasileiras entram em 2024 pressionadas para reduzir os preços das passagens. O clamor por viagens mais baratas parte não só do consumidor, mas também do governo Lula, que voltou à Presidência resgatando o bordão de que nas gestões do petista o pobre viajava de avião. Porém, a queda não vai ser fácil.>
O assunto leva as aéreas à berlinda no momento em que elas ainda sofrem as consequências da pandemia, que travou o setor, e da Guerra da Ucrânia, que impulsionou o combustível, entre outros motivos.>
O porta-voz da pressão por preços mais baixos é o ministro de Portos e Aeroporto, Silvio Costa Filho, que tem anunciado diálogo com o setor para buscar soluções, enquanto Azul, Gol e Latam se comprometem a tentar vender bilhetes mais baratos. No entanto, especialistas alertam que o recente reaquecimento da demanda e o modelo regulatório brasileiro desfavorecem as grandes promoções — como aquelas praticadas pelas chamadas low costs, as companhias de baixo custo que não operam no Brasil.>
Em dezembro, mês de alta temporada, quando as passagens disparam, os presidentes das três empresas participaram de evento com o ministro para anunciar uma série de esforços. A Azul disse que vai fornecer 10 milhões de assentos por menos de R$ 799 neste ano, enquanto a Gol estimou 15 milhões de passagens por até R$ 699.>
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Pode parecer que o governo teve sucesso na pressão para baratear as passagens, porém, na prática, a tarifa real média do voo doméstico já estava em R$ 618 no acumulado de janeiro a outubro de 2023, segundo os dados mais recentes da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Cerca de 53% dos bilhetes vendidos não ultrapassaram os R$ 500, conforme as medições do órgão. Os mais caros são aqueles comprados de última hora, perto da data do embarque.>
A Latam, por sua vez, se comprometeu a elevar a oferta de passagens em 10 mil assentos por dia, o que será feito com aumento de frota. A medida deve dar um fôlego no momento em que o setor recupera a demanda perdida na pandemia, superando os 100 milhões de passageiros transportados de janeiro a novembro, pela primeira vez desde 2019.>
Os dados da Anac mostram que o bilhete encareceu nos últimos anos, saindo de um patamar médio em torno de R$ 500 há menos de uma década (já com despacho de bagagem incluída até 2017), para mais de R$ 600 atualmente (fora a cobrança separada para quem leva mala). Apesar do avanço ao longo do tempo, as tarifas médias mais recentes indicam queda de R$ 657,86 em 2022 para R$ 618 em 2023, nos acumulados de janeiro a outubro.>
Para mostrar algum resultado mais expressivo, Lula terá de desemperrar o Voa Brasil, programa de passagens a R$ 200 para grupos específicos como aposentados e alunos do Prouni, com o qual as aéreas também se disponibilizaram a colaborar.>
O lançamento do Voa Brasil estava prometido para agosto, mas não saiu do papel, e a nova expectativa é que o ministro se reúna com Lula na primeira quinzena deste mês para apresentar os detalhes.>
Jurema Monteiro, presidente da Abear (associação de empresas aéreas), afirma que a retomada da demanda ao patamar pré-Covid sugere retorno à normalidade, mas o setor segue com a oferta pressionada. Na pandemia, as companhias estacionaram centenas de aviões, mas depois precisaram de reforço no caixa para fazer manutenção de motores, recertificação de equipamentos, compra de peças e partes para a retomada de suas operações.>
"Aconteceu no mundo todo. Elas não tinham caixa para isso de imediato. Então, foram fazendo aos poucos. Nem todas conseguiram e algumas estão operando com frota menor e otimizando as malhas. Ainda há rotas com pressão de demanda, mas sem capacidade de elevar oferta, e esse equilíbrio faz diferença na composição do preço", afirma Monteiro.>
Segundo a Abear, a demanda subiu 7,5% entre 2022 e 2023, mas a oferta só avançou 6%. "Significa que temos mais demanda crescendo do que a capacidade de assentos no mercado", diz.>
Tiago Pereira, diretor da Anac, também vê pressão de alta, embora algumas das variáveis que influenciam os preços tenham apresentado sinais mais favoráveis nos últimos meses.>
"O QAV [querosene de aviação] caindo e o dólar em viés de baixa são pressões de curto prazo no sentido de reduzir custos. Mas as empresas ainda estão em dificuldade de ampliar a oferta. Se estamos vendo aumento na taxa de ocupação das aeronaves, e se estão reduzindo a oferta, então é pressão de alta. Não consigo cravar qual será a resultante final", diz Pereira.>
Para Ricardo Fenelon, ex-diretor da Anac, é difícil ver espaço para queda de preço no Brasil enquanto não houver redução de custos, melhora econômica e aumento da concorrência. Ele alerta para o forte endividamento que persiste no setor, e o momento de aquecimento na demanda pode ser usado para recompor margens das empresas.>
"O aumento de passageiros não significa que as companhias voltaram a ter lucro. Tudo indica que o governo cometeu um grande erro ao não ajudar o setor, como fizeram nos EUA. É incoerente cobrar queda de preço enquanto se aumenta o custo tributário das empresas em R$ 11 bilhões por ano com a nova reforma tributária", diz Fenelon.>
O professor do IDP José Roberto Afonso, que estuda o setor, cita outros impactos de abrangência mundial, como os novos padrões de redução de emissão de poluentes, que exigem investimento em modernização dos aviões.>
"O que derruba preço é a entrada de empresas low cost. O problema é que no Brasil nós temos high cost [alto custo] e queremos low price [preço baixo]. As autoridades podem falar o que quiserem. A conta não fecha", diz Afonso.>
Para ele, o governo deveria formalizar ações para baratear a viagem de pessoas com emergências de saúde ou morte na família.>
"Temos de tomar cuidado com a discussão que estamos tendo no Brasil. O pessoal reclama do preço, mas 90% dos brasileiros não viajam de avião. Dos 10% que viajam, quem vai a turismo em viagens mais populares já aprendeu que precisa comprar com antecedência. O grande problema é a passagem de última hora. O grosso de quem compra de última hora, e paga caro, é corporativo e governo, sobretudo parlamentares, primeiro escalão de governo e ministros de cortes superiores", diz Afonso.>
Segundo a Latam, é difícil fazer previsões agora. "O preço do combustível depende da dinâmica mundial de petróleo e câmbio. E depende da metodologia de precificação da Petrobras. Não é uma decisão fácil, mas este deveria ser o foco se não queremos mais ser o país com o combustível entre os mais caros do mundo. O Brasil também precisa seguir as convenções mundiais e parar com o hábito de atribuir indenizações e danos morais em casos de contingência [para reduzir judicialização]", diz a Latam em nota.>
Procuradas pela reportagem, a Azul afirma que "vem construindo pauta com entes públicos para melhorar o cenário de custos estruturais". A Gol diz que fará promoções e recomenda aos clientes que se programem para comprar com antecedência.>
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