Publicado em 5 de fevereiro de 2021 às 11:40
- Atualizado Data inválida
O Brasil precisa pagar R$ 10,1 bilhões a mais de cem organismos internacionais, considerando dívidas acumuladas e compromissos agendados para 2021. Apesar disso, o Orçamento proposto pelo governo só reservou R$ 2,2 bilhões para as entidades neste ano (ou 21% do necessário). >
A restrição orçamentária deve agravar o cenário de inadimplência com as entidades internacionais, que cresceu de forma significativa no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).>
O quadro vem gerando alertas do Itamaraty, que vê riscos de prejuízos políticos e até sanções como a perda do direito a voto em discussões.>
O total a ser pago é resultado de R$ 6 bilhões em dívidas acumuladas até o fim de 2020 e outros R$ 4,1 bilhões em parcelas previstas para 2021.>
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Houve crescimento de 483% nas dívidas a organismos internacionais em 2019 e de 169% em 2020. Antes de Bolsonaro, entre 2015 e 2018, o avanço anual médio era de 24%.>
Os valores obtidos pela reportagem mostram que cresceu também o número de entidades com recursos a receber. Em 2018, eram 10. Em 2019, passou para 92. Em 2020, 107.>
Estão na lista das pendências a Organização das Nações Unidas (ONU) e diferentes braços da entidade como Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial da Saúde (OMS), Unesco (voltada a educação, ciência e cultura) e FAO (alimentação e agricultura).>
Há também blocos e organismos regionais (como o Mercosul e a Organização dos Estados Americanos), de segurança (como a Agência Internacional de Energia Atômica) e de aproximação entre nações (como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).>
Também integram a lista instituições financeiras e seus braços, como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Corporação Andina de Fomento (CAF).>
No momento, a maior dívida do país é com o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), para quem o governo deixou de pagar R$ 1,59 bilhão em 2020.>
A falta de pagamento ao NDB foi a primeira desde sua criação em 2014, quando o país combinou com os demais integrantes do Brics aportes anuais no banco. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul têm 20% de participação na instituição, cada um.>
O governo ainda deixou de pedir ao Congresso recursos suficientes para quitar a dívida com instituições como o NDB em sua proposta de Orçamento de 2021. E só reservou R$ 700 milhões, montante insuficiente para o aporte de R$ 1,8 bilhão previsto para este ano (sem considerar a dívida de R$ 1,59 bilhão de 2020).>
A falta de pagamentos tem gerado cobranças e até ameaças das entidades, inclusive da própria ONU.>
Chandramouli Ramanathan, secretário-geral-assistente das Nações Unidas, afirmou ao Brasil em 2019 que poderia ser retirado o poder de voto do país no organismo.>
A sanção está prevista no artigo 19 da Carta das Nações Unidas e nunca foi aplicada ao Brasil na história. O país pagou no fim daquele ano uma quantia mínima (de pouco mais de R$ 500 milhões) e garantiu o direito a voto.>
O Ministério de Relações Exteriores afirma que o Ministério da Economia é responsável pelos pagamentos. Porém, ressalta que as duas pastas trabalham em conjunto "para evitar comprometer a atuação internacional do Brasil".>
O Itamaraty diz que as restrições fiscais do Orçamento têm afetado os pagamentos a organismos internacionais e que chama atenção do governo para os riscos.>
"O Ministério das Relações Exteriores sinaliza regularmente os potenciais prejuízos políticos decorrentes da situação das contribuições brasileiras aos organismos internacionais, inclusive eventuais sanções, como a perda do direito de voto", afirma o Itamaraty.>
O Ministério da Economia diz que a participação em discussões bilaterais é algo de importância estratégica para o país e que pediu créditos adicionais para os pagamentos ao Congresso em 2020, mas que apenas parte dos recursos foi aprovada. Ainda assim, diz que nos últimos dois anos quitou R$ 3,99 bilhões em dívidas, mesmo com a prioridade à Covid-19.>
"Mesmo diante do cenário de restrições orçamentárias e financeiras, o Ministério tem como uma de suas prioridades a quitação dos compromissos brasileiros com organismos internacionais, e envidará esforços para que os recursos sejam devidamente previstos na Lei Orçamentária Anual de 2021", afirma a pasta.>
O ministério discute internamente a possibilidade de um remanejamento orçamentário de quase R$ 8 bilhões para os pagamentos neste ano, segundo relatos colhidos pela reportagem. O objetivo é ao menos reduzir o passivo total.>
Para isso, é discutida uma mudança no projeto de Orçamento de 2021.>
O ministério estuda retirar uma trava do texto que limita remanejamentos a até 20% de outras ações para organismos internacionais. Isso permitiria maior poder de remanejamento ao Poder Executivo e ainda aumentaria as chances de serem recebidos recursos de outros órgãos, interessados nos pagamentos por entenderem que a medida beneficiaria as políticas das pastas.>
Carlo Cauti, professor de Relações Internacionais do Ibmec, diz que a falta de pagamento é um problema orçamentário que se agravou com o desequilíbrio fiscal a partir de 2015.>
"O próprio Itamaraty tem menos recursos do que no passado por causa da crise que o país está vivendo", afirma.>
Para o professor, as instituições internacionais tendem a evitar as sanções aos países ao máximo por dependerem dos recursos. Por isso, ele diz que o governo pode contar com isso para postergar suas obrigações.>
Um exemplo disso é o próprio NDB, em que o governo brasileiro perdeu apenas parte de seu direito de voto após a inadimplência.>
Mesmo assim, Cauti lembra que diferentes países já sofreram sanções pela falta de pagamentos e que a situação pode levar a uma perda de prestígio com efeitos reais. Entre eles, a perda de direito a assentos não-permanentes em órgãos globais estratégicos, como o Conselho de Segurança da ONU.>
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