Graduado em Economia pela Ufes, com MBA em Gestão Financeira e Controladoria pela FGV e MBA em Digital Business pela USP. Atua há 15 anos no mercado financeiro e atualmente é diretor do Banestes.

O que é dinheiro e por que ele importa mais do que imaginamos?

Da definição econômica à função social, entenda o papel do dinheiro na vida cotidiana, na estabilidade econômica e na formação das desigualdades

Vitória
Publicado em 16/12/2025 às 09h18

O dinheiro é um conceito que, à primeira vista, parece trivial, mas que merece uma análise mais profunda. Todos nós o utilizamos, o recebemos e, frequentemente, nos queixamos de sua escassez. No entanto, poucas questões são tão cruciais quanto estas:  

  • a) O que realmente significa dinheiro?  
  • b) E qual a sua relevância na estrutura da sociedade contemporânea?

As respostas são complexas e talvez essa complexidade tenha conduzido a questão ao centro do debate recente, exacerbadamente influenciada por inflação global, crises financeiras, desconfiança nas instituições tradicionais e, mais recentemente, pelo advento das criptomoedas. De acordo com dados do Banco Central do Brasil e do Fundo Monetário Internacional, o dinheiro vai além do papel, da moeda metálica ou de cifras em uma tela digital. Ele é, essencialmente, uma construção social fundamentada na confiança.

Muito dinheiro, cédulas
O dinheiro não é apenas meio de troca: é uma construção social que organiza a economia, molda comportamentos e reflete relações de poder. Crédito: Shutterstock

A pergunta que parece simples, mas não é

De acordo com o FMI, a moeda é definida como qualquer ativo amplamente reconhecido para a realização de pagamentos e para a quitação de obrigações financeiras. Essa definição, embora técnica, oculta um aspecto crucial: o dinheiro opera unicamente porque há uma crença coletiva em seu valor. Yuval Noah Harari observa em sua obra "Sapiens" que o dinheiro representa uma das mais significativas construções sociais já desenvolvidas. Diferentemente da força física ou da religião, ele agrega bilhões de estranhos globalmente por meio de um entendimento tácito: todos aceitam porque todos confiam.

Essa confiança não surge sem base. Ela se desenvolve por meio de instituições, legislações, estabilidade econômica e, acima de tudo, da capacidade do Estado de garantir a manutenção do valor da moeda ao longo do tempo. Quando isso é comprometido, o dinheiro perde sua funcionalidade, como demonstrado em episódios de hiperinflação ou crises cambiais. Não é surpresa que o debate sobre a definição de dinheiro se intensifique sempre que a confiança é questionada.

As funções clássicas da moeda, na prática

A teoria econômica clássica, elucidada por renomados autores como Paul Samuelson, William Nordhaus e Gregory Mankiw, especifica três funções essenciais da moeda que ajudam a entender sua presença quase universal nas interações econômicas diárias.

A primeira função é a de meio de troca. A moeda elimina a necessidade de trocas diretas, possibilitando que bens e serviços sejam transacionados de maneira eficiente. É por meio dela que um salário recebido hoje pode ser utilizado amanhã em compras, pagamentos de aluguéis ou serviços de transporte.

A segunda função é a de unidade de medida. Os preços, contratos e salários são expressos em moeda, o que viabiliza a comparação de valores e facilita a tomada de decisões econômicas. Sem essa referência comum, o planejamento seria quase inviável.

A terceira função é a de reserva de valor. A moeda permite a transferência do poder de compra ao longo do tempo. Economizar dinheiro hoje proporciona a capacidade de consumir amanhã. Quando essa função é comprometida pela inflação, a lógica econômica cotidiana se desestabiliza, prejudicando, principalmente, aqueles com menor acesso a mecanismos de proteção financeira.

Embora essas funções pareçam simples, elas são essenciais para o funcionamento eficaz de empresas, famílias e governos.

Dinheiro como confiança social

Georg Simmel, no início do século XX, já reconhecia que o dinheiro representa uma das formas mais autênticas da confiança coletiva. Não depositamos nossa confiança no papel em si, mas sim no sistema que o embasa. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu corroboram essa visão ao salientar que a credibilidade monetária é um ativo tão imprescindível quanto às reservas internacionais ou às taxas de juros.

Quando essa confiança se esvazia, as repercussões são imediatas. A inflação se acelera, os contratos são encurtados, os investimentos são postergados, e a economia passa a operar sob uma perspectiva de curto prazo. As crises monetárias são, em última análise, crises de expectativas. Elas evidenciam que o dinheiro não é um elemento neutro ou automático: ele é dependente de instituições robustas e de políticas econômicas responsáveis.

Moeda e desigualdade

A moeda desempenha um papel crucial na criação de desigualdades socioeconômicas. Thomas Piketty evidencia que a disparidade no acesso a ativos financeiros intensifica a concentração de riqueza ao longo do tempo. Instituições como o Banco Mundial e a OCDE indicam que aqueles com acesso ao sistema financeiro formal, crédito acessível e ferramentas de mitigação de risco, conseguem enfrentar crises com impactos reduzidos.

Por outro lado, aqueles que dependem exclusivamente de rendimentos correntes ou de formas de financiamento onerosas, como crédito informal ou rotativo, sentem os efeitos das flutuações econômicas de maneira significativamente mais severa. A exclusão financeira não é apenas um desafio social, mas também uma questão econômica. Ela prejudica a produtividade, restringe o empreendedorismo e perpetua ciclos de pobreza.

Um ponto de partida, não de chegada

Compreender a natureza do dinheiro é vital para decifrar o funcionamento real da economia. Ele estrutura transações, alinha expectativas e reflete dinâmicas de poder e confiança. Como já advertiram John Maynard Keynes e Karl Polanyi, a moeda não é imparcial: ela influencia comportamentos, incentivos e desdobramentos sociais.

Entretanto, a moeda, por si só, não movimenta a economia. Ela estabelece o ambiente propício. O que realmente impulsiona a dinâmica econômica é o crédito, que será o foco do próximo artigo desta série. Se o dinheiro organiza a vida econômica, é o crédito que possibilita o investimento, o crescimento e, em determinados momentos, também crises.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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