
Nesta quinta-feira (16), uma vez mais, somos motivados a “celebrar” essa festa tradicional do nosso calendário, e do cristianismo-catolicismo: Corpus Christi. A festa convida os cristãos a refletirem sobre a materialidade do ser. É um dia para ver Deus em um corpo. Mais ainda: dizer que Deus tem um corpo. Portanto, hoje é um dia para celebrar o corpo.
A mineira Adélia Prado deu conta de fazer desse dia uma poesia, realçando o corpo de Cristo suspenso na cruz, sem panos, nu. O nome do poema, “Festa do corpo de Deus”, remete ao lugar da alegria e do compartilhamento da vida. O corpo de Jesus está em festa por nos possibilitar o encontro com o nosso corpo. A inocência ali exposta nos convida para um outro olhar. E esse olhar renovado só pode ser o do amor, escreveu recentemente, Marília Murta de Almeida.
Nesse fio da meada, somos todos nós levados a fazer desse dia uma reflexão sobre o corpo, o nosso corpo. Mas, sobretudo, um corpo sem filtros, sem makes, com rugas ou sem, marcado ou não marcado, enfim. Em tempos de redes sociais e de filtros por todos os lados, ter um dia para celebrar o corpo nu, na essência, deve nos fazer sentido.
É um fato que a cada dia que passa, em função das redes sociais, do padrão de beleza estabelecido pela conjuntura que vivemos, pela indústria cultural, muitos buscam na rede “essa perfeição”. Já se tornou inconcebível um story sem filtro. Há quem se contorça por uma foto postada sem ele. Já se tornou inadmissível um vídeo sem o retoque digital. Mostrar um corpo normal já se tornou imoral. Mostrar para o outro um corpo real é quase fatal.
Será que junto a tantos negacionismos, estamos no tempo no negacionismo do corpo, da fragilidade, da flacidez, da forma e da forma que o mesmo é constituído? Para o corpo flácido, botox. Para um rosto fora do padrão, procedimentos de harmonização. Para isso ou aquilo, uma cirurgia. E aqui mora o centro da reflexão: quando que aquilo que fazemos como o nosso corpo é cuidado e quando que é negação da forma com a qual ele é constituído? Cuidar do corpo é digno e salutar.
Redes fora, não damos mais conta de postar o corpo que temos. Não nos damos conta de estar ali, sendo quem somos, da forma que somos. Não nos cabe mais uma foto sem técnica. Porque andamos negando tanto o nosso corpo e o fazendo como se fosse objeto de apreciação? Me recordo com entusiasmo da atriz Fernanda Montenegro quando diz: “As rugas são um sincero e bonito reflexo da idade, contada com os sorrisos dos nossos rostos. Mas quando começam a aparecer nos fazem perceber quão efêmera e fugaz é a vida”. As rugas, os traços, os cabelos, eles nos fazem autênticos.
Que no dia de hoje, quando nossos corpos caminharem na procissão do Corpo, quando nossos corpos celebrarem o Corpo, tomemos consciência que ele é para além dos filtros, das redes, ele é nossa identidade e autenticidade.
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