No dia 12 deste mês, a equipe do Tribunal de Júri de Vitória foi surpreendida por um réu. Ele andou de Minas Gerais para o Espírito Santo, com caronas pontuais, para participar do julgamento em que era acusado de tentativa de assassinato. Chegou sujo, com fome e debilitado, informando que precisava de ajuda para provar que era inocente. Ao final da sessão ele foi absolvido por falta de provas.
A saga teve início cerca de 18 dias antes, explicou a advogada do réu, que pediu para não ter o nome divulgado, assim como o dele, por se tratar de uma pessoa em vulnerabilidade, que vive em situação de rua, e que foi absolvida das acusações.
Ele estava detido na cidade mineira de Ipatinga quando foi intimado sobre a realização do julgamento em Vitória. Assim que foi solto, sem dinheiro, decidiu vir caminhando. Em alguns trechos conseguiu uma carona, mas a partir da divisa entre os estados, o relato é de que o trajeto foi feito à pé.
Chegou a Vitória dois dias antes do júri e descobriu que o Fórum Criminal havia mudado de endereço. Caminhou até a nova sede e dormiu na rua. Na hora do julgamento se apresentou de bermuda, sujo e com fome.
“Foi providenciada uma marmita para ele se alimentar e cedida uma muda de roupa e um casaco. Ele usava chinelo quando se apresentou ao Tribunal do Júri”, relatou a advogada, acrescentando que ele pediu ajuda para resolver a situação.
A um funcionário do Fórum, o homem, de 48 anos, contou que por diversas vezes chegou a ser preso em decorrência do processo. Como era trazido para o Espírito Santo, ficava longe da família, que vive em Minas.
Aos jurados a advogada informou que, mesmo em situações adversas, ele participou das audiências, e que a prova de sua boa-fé processual foi o esforço que fez para participar do julgamento, o que demonstrou responsabilidade, respeito e seriedade em relação ao júri.
Ele acabou sendo absolvido por insuficiência de provas a pedido do Ministério Público do Espírito Santo (MPES).
Espancamento antes do júri
Dois dias antes do júri, dormindo nas ruas, ele foi confundido com uma pessoa que teria assaltado uma casa. A advogada e ao promotor ele relatou que foi pego, fortemente espancado, jogado no porta-malas de um carro e levado até a residência onde teria ocorrido o suposto assalto. Como a proprietária não o reconheceu, ele foi liberado.
As marcas do espancamento ficaram registradas em seu corpo. Como ele não se recordava dos locais onde os fatos aconteceram e nem das pessoas, não foi possível realizar uma investigação.
Ao final do julgamento, pessoas que acompanhavam a sessão decidiram ajudá-lo a retornar para sua cidade, Ipatinga, localizada a mais de 400 quilômetros de Vitória.
A tentativa de assassinato
O crime do qual ele era acusado aconteceu há mais de 15 anos, na Vila Rubim. Nas proximidades da Ponte Seca ele teria se encontrado com a vítima, de quem teria ido cobrar uma dívida de drogas no valor de R$ 81. Diante da recusa ao pagamento, ele teria feito disparos que não atingiram o alvo da cobrança, mas uma terceira pessoa, no ombro. Foi preso no mesmo dia pela Polícia Militar.
Ao longo dos anos, durante a tramitação do processo, chegou a ser detido algumas vezes, participava das audiências e era liberado.
A insuficiência de provas, aliado ao fato de que o alvo dos disparos não ter prestado depoimento, além da vítima, que é morador de rua e não ter sido localizada, levaram o MP a pedir a absolvição.
A advogada relata ter vivido uma situação única em sua carreira. “Foi impactante e me sensibilizou muito. Sou agradecida pela Justiça que foi feita, grata aos jurados por terem acolhido a nossa defesa e ao pedido do promotor, e pela sensibilidade com o caso”.
Ao final foi entregue ao réu uma cópia da ata do júri, informando que ele tinha sido absolvido das acusações. “Para que ele tivesse uma prova, caso fosse abordado pela polícia. Nossa torcida é para que fique bem e siga em sua jornada”, contou a advogada.
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