Pela oitava vez, mais de duas décadas após o crime, a Justiça do Espírito Santo volta a agendar uma data para o júri popular do magistrado aposentado Antônio Leopoldo Teixeira. Ele é réu em ação penal sob a acusação de ter mandado assassinar o colega de profissão, o juiz Alexandre Martins de Castro Filho. Mas há o risco de que o julgamento não seja realizado, novamente.
A data foi marcada para o dia 4 de agosto, a partir das 9 horas, segundo decisão do Juízo da 4ª Vara Criminal de Vila Velha. É o segundo agendamento em menos de um mês. A medida atende uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que no último dia 11 de junho deu prazo de 90 dias ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) para que designasse a sessão.
O problema é que há pelo menos duas pendências envolvendo o processo que precisam ser avaliadas pelo próprio Tribunal, cuja decisão vai impactar a realização do júri popular. São elas:
1 - Quem julga?
Em março, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram manter o foro especial por prerrogativa de função, também denominado de privilegiado, mesmo depois que a pessoa deixa o cargo público. Se o entendimento for aplicado em relação a Leopoldo, ele terá que ser julgado pelos desembargadores do Tribunal de Justiça, e não pelo Tribunal do Júri de Vila Velha.
Situação que levou o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) a apresentar um recurso ao Tribunal para que decida sobre quem deve julgar Leopoldo. Aponta que o crime foi cometido enquanto ele era juiz, o que tem direta relação com as funções que exercia à época. “Percebe-se ser imperioso que a questão seja enfrentada”, é dito no texto.
O recurso aguarda julgamento no TJ e tudo indica que deve ocorrer antes do próximo dia 4 de agosto.
2 - A prova é legal?
Outro ponto diz respeito a uma prova anexada ao processo e que vem sendo alvo de uma disputa jurídica desde 2021. Na mesma apelação o MP solicitou a manutenção do laudo pericial de uma degravação (transcrição literal) de um depoimento de Leopoldo em 2005.
Na ocasião o juiz aposentado estava no gabinete do desembargador Pedro Valls Feu Rosa, que presidia o inquérito judicial, e o depoimento foi prestado ao delegado da época, Danilo Bahiense — hoje deputado estadual —, e um dos que investigaram o assassinato.
A defesa do juiz aposentado afirma que a prova já foi considerada ilícita. O MP assinala que as gravações já estavam presentes no processo e que foi anexado o laudo da transcrição. Uma situação que também aguarda análise da Justiça, considerando que a prova pode vir a ser utilizada no júri.
“Decisão absurda”
O criminalista Flávio Fabiano, que faz a defesa do magistrado aposentado, considera a decisão que marcou o julgamento absurda. “É teratológica por contrariar o nosso ordenamento jurídico e pode ser objeto de nulidade”, assinala.
Segundo ele, o Juízo da 4ª Vara Criminal de Vila Velha deveria receber as apelações, com suspensão do julgamento, deixando que o Tribunal decida sobre a licitude da prova e sobre quem deverá julgar Leopoldo. "Qualquer decisão do Tribunal muda por completo o cenário do júri agendado. O correto seria aguardar uma decisão dos desembargadores", aponta o criminalista.
Preocupação
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) informa que acompanha com atenção os desdobramentos relacionados à realização do julgamento do magistrado aposentado e avalia que a mudança da data para o dia 4 de agosto contribui para um cenário mais adequado à análise das questões jurídicas pendentes.
Destaca que elas demandam uma análise cuidadosa por parte do Poder Judiciário. “De forma a assegurar o respeito ao devido processo legal, a segurança jurídica e a correta aplicação das normas, princípios e precedentes que regem o sistema de Justiça”, explica, em nota.
O MP se refere à apelação que fez, contestando a decisão que considerou ilícito o laudo pericial sobre a degravação do depoimento de Leopoldo. E que aborda também questionamento sobre quem deve julgar o magistrado. Os dois casos aguardam avaliação do TJ.
O assassinato
O crime aconteceu em 24 de março de 2003, por volta das 8h, quando a vítima chegava a uma academia em Itapuã, Vila Velha. Ele foi alvo de disparos de arma de fogo.
Segundo denúncia apresentada pelo Ministério Público contra Leopoldo, o crime teria sido praticado mediante promessa de recompensa, popularmente conhecido como “crime de mando”. Relata que a morte visava à ocultação de outros delitos, como corrupção, ameaças, extorsões e homicídios.
O texto ministerial aponta que Leopoldo, à época coordenador da Vara de Execuções Penais, onde o magistrado morto atuou, teria se envolvido em um esquema de favorecimento à criminalidade, com concessões irregulares de benefícios a criminosos já condenados e autorizações de transferência de presos para unidades existentes no interior do Estado, onde o resgate dos mesmos era facilitado, mediante o recebimento de vantagens financeiras.
Das dez pessoas que foram denunciadas pelo crime, nove já foram julgadas. Houve oito condenações — alguns já até cumpriram parte de suas penas em regime fechado —, além de uma absolvição.
O único que ainda não passou pelo crivo dos jurados é o magistrado aposentado Antonio Leopoldo Teixeira. Houve três tentativas de se marcar o seu julgamento em 2006, outras três em 2021, adiadas em decorrência de vários recursos.
Juiz nega as acusações da denúncia
Leopoldo Teixeira nega as informações presentes na denúncia. “Nunca transferi preso de forma ilegal para o interior do Estado. Sempre cumpri a lei, com os seus rigores”.
Acrescenta que na época a Vara de Execução Penal era única no Estado. “Era uma situação difícil, trabalhávamos sem recursos, apesar dos meus pedidos ao Tribunal por mais apoio. Cheguei a pedir uma correição, que não foi feita. E quem cuidava da logística de transferência dos presos era a Vara da Corregedoria de Presídios, sob a titularidade de outro magistrado”, relata.
Atualização
7 de julho de 2025 às 22:17
O texto foi atualizado com informações do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e outras apresentadas pelo magistrado aposentado Antonio Leopoldo Teixeira.
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