Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Em "Arremesso Final", da Netflix, Jordan constrói a própria lenda

Em “The Last Dance”, ou "Arremesso Final", como foi lançado por aqui, Michael Jordan cria narrativa própria para reforçar seu legado como um dos maiores esportistas da História

Publicado em 06/06/2020 às 16h00
Atualizado em 06/06/2020 às 16h00
Michael Jordan em enterrada vencedora durante o campeonato de enterradas de 1988
Michael Jordan em enterrada vencedora durante o campeonato de enterradas de 1988. Crédito: Netflix/Divulgação

A última dança de Michael Jordan, Scottie Pippen e Phil Jackson no Chicago Bulls não é uma grande novidade - meu colega Filipe Souza já falou sobre “Arremesso Final” por aqui. Com o devido distanciamento de seu lançamento e após toda comoção causada pela série documental, achei que era um momento oportuno para comentar alguns de seus aspectos.

Em primeiro lugar, o péssimo título em português tira qualquer quesito artístico do conteúdo. “A Última Dança”, mesmo sem uma referência direta ao basquete, é poético, tem um ar de despedida, de luto, mas isso é um detalhe. Para quem foi adolescente nos anos 1990 e acompanhou os primórdios das transmissões da NBA no Brasil, a série é um deleite, é uma viagem no tempo em que me reunia com dois amigos para assistir aos jogos nas noites de sexta-feira. Eu e um deles, torcedores dos Bulls, tivemos mais sorte, assistimos ao surgimento de uma dinastia; o outro, grande torcedor do Los Angeles Lakers de Magic Johnson, via nascer uma nova era na liga sem o protagonismo de outrora para seu time, que o retomaria anos adiante.

Todo esse sentimento está presente na série que fala sobre a jornada de Michael Jordan e os Bulls, mas há muito além daquelas histórias contadas em tela. Documentário não é jornalismo, não exige o direito ao contraditório e, por isso, “The Last Dance” é um produto feito para mostrar a uma nova geração quão bom era Michael Jordan.

Considerado por muitos o maior de todos os tempos, Michael se tornou apenas um nome para novos consumidores de basquete, que viu astros como Kobe Byant e LeBron James (merecidamente) seguirem seus passos e se tornarem sinônimo de craques para a nova geração. É por isso que a série faz questão de ressaltar quão diferente era a liga nos anos 1990, como as coisas era mais duras, quão difícil era enfrentar os “bad boys Pistons” de Isiah Thomas, Joe Dumars e Bill Laimbeer - a ideia é mostrar Jordan como o cara que revolucionou o jogo com sua competitividade.

Isiah, particularmente, merecia mais espaço. Seus problemas com Jordan são muito maiores do que a série mostra. Nascido e criado em Chicago, Isiah foi por muito tempo o grande jogador da cidade; ele jogou basquete colegial por lá e, apesar de ter seguido para uma universidade em Indiana e posteriormente ter sido draftado pelos Pistons, Thomas sempre foi idolatrado em sua cidade natal. A chegada de Jordan mudou o cenário.

Com Jordan levando os Bulls para outro patamar, como diria o Bruno Henrique, Isiah se viu não mais como um ídolo em Chicago, mas como um obstáculo entre a cidade e um título da NBA - vale aqui uma dica: assistam ao “30 for 30: Bad Boys”, documentário da ESPN sobre o Detroit Pistons. Seu objetivo ali era claro, impedir que Jordan levasse o Bulls ao título. Por algum tempo, deu certo. Isiah era um grande jogador, mas ainda uma prateleira abaixo de seu rival.

 Dennis Rodman, Scottie Pippen, Michael Jordan, Ron Harper e Toni Kukoc
Dennis Rodman, Scottie Pippen, Michael Jordan, Ron Harper e Toni Kukoc. Crédito: Nuccio DiNuzzo

A série documental utiliza um recurso comum de biografias para não tornar seu protagonista uma espécie de vilão. Alguns aspectos negativos da vida social de Michael Jordan, como seu apreço pelo jogo, e também de sua vida como jogador, a dureza como tratava seus companheiros de time, são transformados em uma qualidade: a competitividade. Isso se assemelha a quando você, por exemplo, diz que seu pior defeito é perfeccionismo em uma entrevista de emprego.

Isso de forma alguma faz “The Last Dance” uma produção ruim, a série apenas faz valer a máxima de que a História é contada pelos vencedores. Entre seus entrevistados, por exemplo, não estão Karl Malone ou Clyde Drexler, derrotados na história. É Michael Jordan quem comanda a narrativa e as histórias são contadas à sua maneira - Steve Kerr se lembra da briga entre o dois de forma bem diferente.

O que quero dizer é que a série da Netflix é tão real quanto sei lá… “Bohemian Rhapsody”. A comparação talvez seja esdrúxula, visto que o filme sobre a vida de Freddie Mercury altera datas e acontecimentos em prol da narrativa. O documentário sobre Michael Jordan é incrível, ótimo entretenimento, mas ele faz uso da força de imagens de arquivo para contar a jornada do herói, do cara que colocou Chicago no mapa dos esportes americanos, do jogador que mudou a NBA. Jordan, acredite, é tudo isso; é o maior jogador de basquete e um dos maiores esportistas de todos os tempos, o primeiro astro realmente pop da NBA (caminho aberto por Magic Johnson), mas houve muitas outras danças não tão bonitas quanto a contada pela série da Netflix.

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