É médico, psiquiatra, psicanalista, escritor, jornalista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. E derradeiro torcedor do América do Rio. Escreve às terças

Sobre o Amazonas e o descaso dos governantes

Chegam ao extremo do ridículo as “providências” do governo brasileiro para garantir a proteção desses dois notáveis batalhadores, e milhares de outros anteriores, pela preservação das nossas florestas

Publicado em 14/06/2022 às 02h00
Bruno Pereira e Dom Phillips
Bruno Pereira e Dom Phillips. Crédito: Redes sociais/Reprodução

Eu nasci muitos anos atrás.

Foi ali mesmo na Rua Lima Bacuri, 290, assim como toda a minha família, imigrantes, na maioria da Inglaterra, coisa rara no Brasil. Praticamente toda a família vivia do trabalho em uma empresa, a Manaus Harbour, muito trabalho e ao sabor da língua. Todos os imigrantes eram identificados com a sigla Brito-Inglez, que todos carregamos no nome.

Meu pai, por exemplo, chamava-se, por ordem de lei, Aderson de Brito-Inglez Bonates. Minha mãe ficou livre de carregar a sigla para a nossa geração, até porque, de tão comprida, não cabia em documento nenhum. Ficava registrado, mas não era obrigado a constar nos documentos de identificação, e daí por diante.

Então, por isso que no meu registro de nascimento, por exemplo, na cidade de Manaus, Amazonas, não consta necessariamente a explicação da origem imigratória. Mas para os meus doces amigos, meu nome completo é Paulo Jorge da Fonseca de Brito-Inglez Bonates. A batalha de nomes parou no meu pai.

Talvez toda essa história seja para introduzir a vocês quais são as chagas da morte das florestas, agredidas de mil maneiras: borracha, madeira, tartarugas, e o que mais apetecesse a ganância financeira internacional,

Meninos, eu vi. Ainda menino, observava no igarapé de Manaus, que acessávamos pela rua de casa, a Lima Bacury, barcos e batelões arrastando toras e toras de madeira de lei, além das toneladas de borracha que saía do sangue das árvores. Anos depois, víamos a pesca de ouro, através de um mecanismo minimamente deletério: o uso sem medida de iodo nas límpidas águas do Amazonas para extrair e lucrar com o ouro que ali se agarrava, como acontece até hoje, apesar das mentiras oficiais.

Tínhamos então doze ou treze anos. Não víamos nada demais ou de menos.

Mas, minha senhora, não é de hoje que arrancam sem dó as florestas e as preciosidades dos rios afluentes do Amazonas.

Eram frequentes as viagens de nossa família de Manaus para Belém, singrando o Rio Amazonas nas suas variadas cores que não se misturavam. Víamos perto da cidade de Careiro, o Encontro das Águas, do Negro, que banham até hoje a cidade de Manaus, e o Solimões de cor barrenta. Há milhares de explicações para o fenômeno. Deixa isso pra lá.

Chegam ao extremo do ridículo as “providências” do governo brasileiro para garantir a proteção desses dois notáveis batalhadores, e milhares de outros anteriores, pela preservação das nossas florestas, que tornaram-se alvo das incontáveis quadrilhas de matadores, de qualquer coisa que impedisse os soberbos lucros com a morte das florestas.

Lembro das tartarugas de água doce, dulcíssimas. Animais seculares – já comi muito a deliciosa carne de tartaruga quando criança. Havia bastante. Era só esperar a desova e os caboclos amazonenses se dirigiam às praias para virar e paralisar os imensos animais pelos cascos, tamanha a velocidade que imprimiam, parece mentira. Esse trabalho, muitas vezes, era feito à custa dos próprios dedos, mas o sarapatel estava pronto.

Ainda bem que o governo do Estado, por mais distraído que fosse, felizmente nem tudo está perdido no reino de Deus, proibiu a comercialização desses animais, o que foi totalmente cumprido, que eu saiba. Fiquei sem meu sarapatel com pimenta, mas ainda bem que sobreviveram algumas raríssimas tartarugas de água doce, com seus milhares de anos, protegidas por lei.

A nossa casa da Lima Bacury tinha um quintal com as seguintes árvores: uma goiabeira, duas pitombeiras, uma de açaí, três de goiaba vermelha, duas de goiaba branca.

Saímos de lá com saudade, em meados dos anos 60. De lá pra cá, só noticias malditas e desinteresse pela verdade. É muito fácil ganhar dinheiro sujo derrubando árvores, roubando peixes raros, poluindo com iodo os rios límpidos e outras milongas mais. São bandidos especializados em tráficos de todo tipo, sem controle oficial de nenhuma ordem.

Fazer de conta que se procura pelos dois desaparecidos em um sistema florestal e imenso, sem o devido empenho técnico específico, é piada de mal gosto.

Jogar corpos em abundantes rios de piranha, não deixa vestígios, por exemplo, é uma tática muito utilizada pelos bandidos.

E está difícil confiar nos mandantes brasileiros, para proteger-se ou denunciar qualquer coisa.

O resto é conversa fiada.

Dorian Gray, meu cão vira-lata, chora a falta do sarapatel.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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