É médico, psiquiatra, psicanalista, escritor, jornalista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. E derradeiro torcedor do América do Rio. Escreve às terças

Sábado passado elegi o presidente da minha República

Espero que o show de Caetano Veloso, ao vivo na TV, tenha estancado o país, que sofre mais que o necessário nesta pandemia de incompetências e impotências

Publicado em 22/12/2020 às 05h00
Caetano Veloso, durante live de Natal,
Caetano Veloso, durante live de Natal, no dia 19 de dezembro. Crédito: Reprodução/ Youtube

A literatura brasileira, na maioria das vezes embalada em canções populares, me enche o peito de orgulho. Inúmeras composições de samba-enredo são verdadeiras pérolas de altíssimo nível.

Minha observação predileta recai sobre Chico Buarque, pelo feito de inserir em um verso, dentro da métrica, rima e o escambau, a palavra “paralelepípedo”.

“Vai Passar”, proibidíssima pela censura, que viria a ser um dos hinos contra a ditadura, exerceu seus estranhos mágicos poderes. A polícia ridícula tirou a música de circulação, mas como sempre acontece, passou a ser cantada ainda mais nas vielas, nas esquinas, nas classes raciocinadoras.

Então, sábado passado, eis que surge, para fazer uma live, Caetano Veloso. Com um semblante que ia da alegria à tristeza e à dor em milésimos de segundo. Ou seja, tudo ao mesmo tempo.

No fundo do meu incansável coração, naquele instante resolveu-se um empate, Chico é bom, mas Caetano é melhor, e ninguém tem nada a ver com isso, simplesmente porque é humanamente impossível superar aquela apresentação para todo o sempre.

Espero que o show, ao vivo na TV, tenha estancado o país, que sofre mais que o necessário nesta pandemia de incompetências e impotências. Me encontrei sorrindo e cantando na boca da madrugada.

Meus amigos, é assim que no país das indecisões decidi (agora é para valer) me apaixonar pelo baiano, da mesma maneira que fiz em relação ao América Futebol Clube, do Rio, quando decidi sofrer para sempre por conta da camiseta vermelho e branca embalada pelo hino de Lamartine Babo, seu fiel torcedor e compositor, aliás de todos os hinos de clubes do Rio.

Como seria um hino de clube composto por Chico ou Caetano, veio à minha cabeça? Qualquer uma das suas composições e parcerias serviria, e muito bem. Mas o destino estava selado: ambos representam o amor, a dignidade e a coragem de serem eles mesmos. Mas ainda não fizeram um hino para o América.

Mas voltemos à minha recente inexorável paixão por Caetano, filho de Dona Canô, irmão de Bethânia, pai de Moreno, Zeca e Tom.

Olhei para a tela da TV e notei o esforço de Caetano para segurar sozinho um show inteiro. Não sei se andei delirando, mas acho que ele dedilhava o violão com dificuldade e dor na mão direita. Parecia um divino sacrifício. Mesmo assim, foi como se cegasse a torcida para detalhes, sobrevivendo a arte, com seus compassos únicos que empolgaram com força.

Usando de toda a sinceridade do mundo, não fez média com a torcida: “A coisa que eu mais gosto agora é de estar com os meus filhos”. A recíproca mostrou-se verdadeira. Todos se apresentaram ao seu lado.

Mirem-se nesse artista único e patriota verdadeiro. A saída desse imbróglio que vivemos depende do amor ao próximo.

Respeitável público, de hoje em diante, a partir das 12 horas, horário de Greenwich, não sou mais América. Sou Caetano.

Dorian Gray, meu cão vira-lata, torce para o Botafogo nesta semana.

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