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Familismo na política no Brasil é sinônimo de isolamento pobre

Familismo na política no Brasil é sinônimo de isolamento pobre

O familismo marca historicamente a política no Brasil e na América Latina, mas há grande variação nas formas que assume. Ele é quase dinástico no Chile e no Uruguai. Já por aqui é típico de governos de outsiders e mandatários personalistas

Publicado em 2 de dezembro de 2019 às 05:02

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Família Bolsonaro: Flávio, Jair, Eduardo e Carlos. (Divulgação)

"Em Pernambuco, ou se é Cavalcanti, ou há de ser cavalgado," rezava o soneto. O familismo marca historicamente a política no Brasil e na América Latina, mas há grande variação nas formas que assume. Paradoxalmente, ele é quase dinástico no Chile e no Uruguai, países onde a democracia esteve mais enraizada.

No Uruguai, o cargo de presidente foi ocupado por quatro gerações do mesmo núcleo familiar: Jorge Battle (2000-2005), Luis Battle Berres (1947-51 e 1955-56), José Battle y Ordóñez (1903-1907; 1911-15), e Lorenzo Battle (1868 a 1872).

Com o presidente eleito, Luis Alberto Lacalle Pou, será a terceira geração da família que chega à Presidência. Seu pai também vestiu a faixa presidencial, e seu bisavô, Luis Alberto Herrera, integrou a Presidência colegiada do país duas vezes. A pugna familiar com os Battle y Ordóñez não foi apenas simbólica: chegou às vias de fato na forma de um duelo.

O fato de que bisnetos, pais, avôs e bisavôs tenham ocupado a Presidência da República não transformou o Uruguai em regime autoritário personalista. Pelo contrário, o país introduziu o modelo suíço de Presidência Colegiada – testado em 1919-1933 e em 1954-1967 –, como um instrumento de prevenção contra o hiperpresidencialismo.

No Chile, o caráter dinástico penetra os três poderes, e é marcado pela peculiar fusão de elites empresariais e políticas. Sebastián Piñera tem dois ex-presidentes em sua ascendência familiar, e os Alessandri já ocuparam a Presidência duas vezes – com Arturo (1923-1925 e 1932-1938) e seu filho Jorge (1958-1962).

A experiência brasileira e a argentina tem algo em comum: um familismo medonho se manifesta no nível subnacional, mas inexiste traço dinástico em nível nacional. A ascensão à presidência de lideranças provinciais patrimonialistas não significou sua nacionalização nem levou a regimes familiares que ultrapassam gerações. Curiosamente, é nesses países mais plebeus onde a narrativa sobre as elites é mais forte.

Kubistchek, Frondizi, Alfonsín, Macri, Kirchner, Dilma são filhos de imigrantes. A descontinuidade histórica entre elites familiares deve-se ao impacto do Peronismo e do Varguismo, e ao maior protagonismo dos militares. É também uma questão de escala: Brasil e Argentina são países federativos, com grande extensão territorial.

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O neofamilismo na cúpula do Executivo atual nada tem de dinástico: ele é típico de governo de outsiders e mandatários personalistas, no qual o núcleo familiar converte-se em substituto pobre de isolamento político. No Legislativo, o familismo é extensão do padrão hediondo vigente nos estados; no Judiciário de perversa combinação de famílias e corporações.

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