É economista e cronista. Neste espaço, aos sábados, dedica-se a crônicas que dialogam com a memória recente do Espírito Santo, da cultura à política, sem deixar de alfinetar os acontecimentos da atualidade locais e nacionais

Sobre o frio: eu gosto de ir até ele, não que ele venha atrás de mim

O frio do caramba que abraçou Vitória na última semana de agosto tirou do palco até os marombeiros que desfilam pelas calçadas do bairro, exibindo orgulhosamente seus peitorais

Publicado em 12/09/2020 às 11h00
Atualizado em 12/09/2020 às 11h00
Frio na Grande Vitória
Frio na Grande Vitória. Crédito: Amarildo

Eis que o nosso velho amigo vento sul gritou “shazam!” e chegou desafiando cobertores, moletons e chocolates quentes. Por aqui nenhum sinal de cachorro doido, notícia recorrente nos meses de agosto. Não teve cachorro doido mas teve um frio animal. Parecia até que a Pedra Azul tinha vindo fazer uma visitinha ao Convento da Penha. E veio com a porta do freezer escancarada.

O frio do caramba que abraçou a Ilha na última semana do mês passado tirou do palco até os marombeiros que desfilam pelas calçadas do bairro, exibindo orgulhosamente seus peitorais. Com os bíceps agasalhados, deixaram de humilhar por alguns dias os alegres e felizes sedentários por onde passavam.

O frio, infelizmente, é uma arma quase letal na mão de generalistas de plantão. Aquelas impiedosas criaturas que se dedicam a desconstruir o vigor de quem já passou do sessenta anos. Sentem um prazer desmedido em sacanear os idosos. Falam que os velhos desabam juntos com o mercúrio dos termômetros. E não deixam nada escapar de sua sanha impiedosa. Chegaram até a espalhar por aí que o homem sabe que está ficando velho quando seus sonhos eróticos são todos reprises. Pura maldade! O único coroa – fez noventa no mês passado – que vive de reprises é Sean Connery, o nosso eterno James Bond. O resto é coisa de quem não tem mais o que fazer. E antes que eu me esqueça, reprise é a mãe!

Gosto do frio, não tivera eu nascido em Calçado onde o inverno é recebido com muito carinho todos os anos. Lembro muito bem de um mês de julho, extremamente frio, e minha mãe, com uma vela acesa, tentando derreter uma pedrinha de gelo que bloqueava a saída da água da torneira da pia da cozinha. Quem assistiu à cena, além de mim, foi Maria do Grilo, a nossa lavadeira, que chegara cedo pra pegar a trouxa de roupas.

Mas não é bem desse frio que eu gosto. Não me agrada o frio que chega, assim sem mais nem menos, e acampa no quintal. Eu gosto mesmo é de ir ao encontro do frio. Dá pra entender? Eu é que vou. E não ele que vem. Não parece lógico, mas é. O frio que chega por aqui me pega de bermudas, gela o piso frio do apartamento, dá férias aos vinhos brancos, às cervejas, às camisetas, deixa debaixo da cama as havaianas quando tenho que ir pra feira de tênis.

Por outro lado, ir ao encontro do frio, ah... é uma delícia! Você leva o casaco de lã que sua sobrinha lhe deu, as roupas de baixo, luvas e gorros que o caçula lhe emprestou, o cachecol que a irmã tricotou e vai se hospedar num hotel com lareira, aquecimento central, sopinhas quentes ao fim do dia e gente bonita trançando pra lá e pra cá. Some-se a este paraíso um aquecido detalhe: hotéis mais antigos, aqueles que conservam bidês em seus banheiros, tornam a higiene íntima mais confortável, digamos assim.

Já este frio visitante, este maldito penetra, bate em nossas portas de mãos abanando. Não traz mais a canja de galinha, o vick vaporube, o pijama de flanela e nem mesmo uma xícara de leite queimado com canela.

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