O contrato de seguro tem uma peculiaridade. Somente acarreta a obrigação da seguradora em pagar o prêmio após a ocorrência de um sinistro. Trata-se, portanto, de uma condição. A apólice prevê a hipótese assegurada, e a indenização dependerá do adequado esclarecimento do fato e dos danos gerados.
Tanto o fato, tratado na apólice como hipótese de sinistro (ex. acidente de carro, erro profissional, doença etc.), quanto os danos decorrentes dele, precisam, portanto, de uma apuração adequada (para saber se ocorreram e quais suas consequências financeiras). Tal apuração se dá mediante a etapa da regulação e liquidação dos sinistros.
Historicamente, sempre existiu uma “caixa preta” quanto ao modo de apuração do sinistro e dos respectivos danos, por parte das seguradoras. O artigo 771 do Código Civil previa apenas a necessidade de comunicação do sinistro, logo que o segurado o saiba. Nos casos de recusa à indenização, as seguradoras se obrigavam apresentar apenas genericamente a cláusula do contrato que lhe daria ensejo, sem a necessidade de apresentar analiticamente as apurações que levaram a tanto.
A jurisprudência, então, consolidou-se no sentido de que não seria possível obrigar a seguradora a “apresentar todos os documentos obtidos no procedimento de regulação”, na medida em que tal determinação “representaria extensa exposição ao mercado do modo de apurar da seguradora e de sua parceira reguladora (know-how de ambas), arriscando ocasionar dissabores, danos morais a segurados e a terceiros beneficiários de seguro, como também dificultando sobremaneira a eficiência da regulação dos contratos de seguro” (STJ, REsp n. 1.846.502/DF).
A situação foi alterada com a lei 15.040 de 2024, a qual previu, em seus artigos 82 e 83, a obrigação da seguradora de apresentar, no caso de recusa de indenização, tanto o relatório de regulação e liquidação do sinistro, o qual passa a ser documento comum às partes, quanto “entregar ao interessado os documentos produzidos ou obtidos durante a regulação e a liquidação do sinistro que fundamentem sua decisão”.
A nova norma se alinha a princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC - Lei nº 8.078/1990), em especial ao Artigo 6º, inciso III, que garante ao consumidor o "direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem". A recusa genérica, antes permitida, feria indiretamente este princípio.
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É, portanto, positiva a exigência de maior transparência para as relações de seguro, de modo a proteger os segurados de recusas indevidas e injustificadas, ampliando inclusive as oportunidades de acesso à Justiça e coibindo litígios, os quais, em muitos casos, são incentivados por um sistema que, antes, autorizava o sigilo das seguradoras relativamente aos fundamentos que – verdadeiramente – as levaram a não pagar o valor segurado.
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