Quando o presidente nacional do Partido Social Democrático (PSD), Gilberto Kassab, anunciou, em dezembro do ano passado, que o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung se filiaria à sigla, a temporada de especulações foi inaugurada.
Por que, após cerca de seis anos sem partido, o ex-mandatário voltaria a integrar uma legenda? Teria ele planos de disputar as eleições de 2026? Estaria de olho no Palácio Anchieta? No Senado? Ou o objetivo seria apenas chacoalhar o tabuleiro político local, causando incertezas?
Se a terceira opção foi a escolhida, a meta foi, em certa medida, alcançada.
Hartung vai se filiar ao PSD na tarde desta segunda-feira (26), em São Paulo. Em entrevista concedida à coluna em Vitória, na última quinta (22), afirmou que "a princípio" não vai ser candidato a nenhum cargo em 2026.
Ao ser questionado sobre eventual candidatura ao governo estadual, ele, que foi governador por três mandatos, defendeu "uma renovação política no Espírito Santo".
Elogiou, por exemplo, os prefeitos de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), e de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (sem partido).
Pazolini é adversário do grupo do governador Renato Casagrande (PSB), assim como o próprio Hartung. O político canela-verde, por sua vez, é aliado de primeira hora do atual chefe do Executivo estadual.
Na entrevista, Hartung negou ter participado dessa história.
Falou também sobre o governo Lula (PT) e admitiu que quis ser presidente da República, mas "a fila anda".
Confira:
O senhor está sem partido desde novembro de 2018. Por que decidiu se filiar ao PSD e por que agora?
Eu já trabalhei no Legislativo. Aliás, fiz um ciclo de Legislativo muito interessante. Fui deputado estadual, federal e senador. Foi um um espaço de militância interessante, pelas ideias que eu defendo.
Já militei no Executivo, também uma experiência muito muito rica. Venho da sociedade civil, quer dizer, minha militância começa no movimento de juventude. Fiz movimento estudantil, na reorganização das entidades estudantis.
De 2019 para cá, fiquei no debate nacional, mas como sociedade civil, escrevendo artigos, dando entrevista, fazendo palestra, participando de debates.
A opção por ter uma militância partidária a partir de agora tem muito a ver com dar tração nessas ideias que fazem parte do meu pensamento político, administrativo e assim por diante.
O país está vivendo um momento de reorganização partidária. Quando o Kassab fundou o PSD (em 2011), ele me disse "olha, Paulo, nos próximos anos vamos ficar com coisa de cinco, seis partidos relevantes no país". E isso está acontecendo. Isso é bom para o país, na minha na minha visão.
É muito difícil para um presidente da República, para um governador de estado, para um prefeito trabalhar com um quadro muito gelatinoso do ponto de vista da estrutura partidária.
Mas por que a escolha pelo PSD, especificamente?
Tem que escolher entre os partidos que estão se consolidando. E acho que aí tem um partido que tem compromisso forte com a democracia.
É muito claro para quem acompanha minha vida que democracia para mim não é questão tática, é questão estratégica, é valor. É conquista da humanidade na sua caminhada civilizatória. O PSD tem um pilar importante com a democracia.
E uma outra questão que toca a minha alma e a minha militância é mudar o padrão social deste país. É agressivo você viver num país com a concentração de renda que nós temos, com a má distribuição de renda que nós temos, com a com a seletividade no acesso às oportunidades.
Na verdade, eu quase me filiei o PSD há algum tempo atrás. Na última vez que eu fui ao Roda Viva (programa da TV Cultura, ao qual Hartung concedeu entrevista em agosto de 2022), naquele período eu quase me filiei porque eu era uma das opções do próprio Kassab para o debate presidencial, como ele anunciou.
E por que, daquela vez, não se filiou?
Porque nós começamos a apoiar, eu comecei a apoiar, a Simone (Tebet, candidata à presidência da República, pelo MDB, em 2022).
Eu via que esse campo nosso ia ter pouco voto.
Agora, vamos falar sobre as eleições de 2026. O senhor pretende ser candidato a algum cargo no ano que vem?
"A vida é dinâmica. Eu nunca digo 'dessa água não beberei'. Mas, a princípio, não"
Sou uma pessoa muito feliz com a minha trajetória de mandatos.
As pessoas me perguntam: "Você largou a política, Paulo?" Não. Estou fazendo política aí, você não está vendo?
Eu não larguei a política nunca. Vou morrer fazendo política. Eu vou morrer militando para melhorar este país e, se possível, também para ajudar o planeta, porque tem coisas que são conectadas mundo afora.
Estou militando, fazendo artigos, colocando ideias, dando entrevista, indo fazer palestra Brasil afora, às vezes fora do país.
O senhor disse que "a princípio" não vai ser candidato. O que está considerando para tomar uma decisão definitiva?
Tive militância no Legislativo e no Executivo e gostei (...) tanto a política, a operação política, como a operação administrativa são coisas que eu gosto de fazer.
Mas, por exemplo, após ter sido governador do Espírito Santo por três mandatos (2003-2011 e 2015-2018), pode concorrer novamente a esse cargo?
Sobre o governo do estado, defendo uma renovação política no Espírito Santo. É isso.
Temos jovens políticos, talentosos, gente que já foi eleita, reeleita, que mostrou talento eleitoral, que está mostrando talento gerencial, de administração
Uma coisa boa na democracia é a alternância de poder. Tudo que fica muito tempo dá fadiga de material, vira um arranjo de interesses que deixa o povo de fora.
Defendo a alternância, oxigenar o processo político.
E tem algum nome que apoia ou sugere como representante dessa renovação e possível candidato ao governo?
Se não precisar citar nomes é melhor, porque não exclui ninguém. Mas tem nomes ótimos.
É que o senhor mesmo já elogiou publicamente ao menos um, o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini ... (Um dia depois desta entrevista Hartung também elogiou, nas redes sociais, o prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo. Aliás, algo que fez também nesta conversa)
(Pazolini) está indo muito bem. Semana passada veio uma delegação paulista, empresários, para ver um projeto aqui no Espírito Santo.
Me ligaram daqui, dizendo "estamos impressionados com Vitória, como a cidade está bem cuidada".
Muitas vezes nós, que vivemos aqui, eu não estou tanto aqui, mas não prestamos atenção. A cidade é muito bem cuidada, vem uma pessoa de fora e vê. Então, está aí um bom voto, não é?
Ele (Pazolini) foi reeleito. Fizeram mundos e fundos para levar a eleição de Vitória para o segundo turno e o prefeito foi eleito no primeiro turno.
Atravessa a ponte está ali o Arnaldinho (Borgo), num município... Quando Rodney (Miranda) me falou que queria ser prefeito de Vila Velha eu falei "cuidado, essa prefeitura não é fácil".
"Está aí o Arnaldinho, eleito, reeleito, fazendo um bom trabalho"
Tem prefeitos de primeiro mandato no Espírito Santo também, jovens, mostrando muito talento.
Tenho que falar do meu prefeito de Colatina, nosso querido Renzo (Vasconcelos, que é também presidente estadual do PSD). Tem o menino de Viana (Wanderson Bueno), uma belíssima surpresa.
Alternância de poder é importante. O tempo de grupos no poder se arrastando vira condomínio de poder. Condomínio de poder não tem interesse público, tem interesse dos grupinhos que estão lá alojados.
O senhor conversa diretamente com algum desses prefeitos que citou? Incentiva que sejam candidatos ao governo ou articula politicamente para isso?
Estou muito distante, eu apenas acompanho. São pessoas que estão tocando bem as coisas.
Minha base principal é São Paulo. Muitos capixabas não sabem disso, mas há seis anos eu tenho moradia em São Paulo. Não sou conselheiro (político). Sou conselheiro de conselhos administrativos (de empresas).
Recentemente, o prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo, teve uma reunião com o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab. O prefeito pretende se filiar ao partido. O senhor teve alguma participação nisso? Esteve presente na reunião ou articulou essa conversa?
Arnaldinho não precisa disso. Arnaldinho é Arnaldinho.
Mas, ainda assim, teve alguma participação do senhor?
Não. E não precisa... uma liderança desse peso (Arnaldinho)... E Kassab conversa com o Brasil inteiro.
Se tem uma coisa que o Kassab faz é conversar com lideranças do Brasil inteiro e muito bem. Ele é um craque.
O Arnaldinho pretende presidir o PSD no Espírito Santo. O Kassab sinalizou para o senhor com quem vai ficar o comando do partido no estado?
Vai ser mantido com Renzo, que está fazendo um bom trabalho.
E qual vai ser, na prática, sua atividade no partido? Vai ajudar a montar chapas de candidatos a deputado federal e estadual, por exemplo?
Ele (Renzo) que coordena. Se ele precisar de mim para alguma coisa, estarei sempre à disposição.
Ainda sobre as eleições de 2026, o senhor disse que, a princípio, não vai ser candidato. Isso inclui também cargos fora do estado? Ou isso é cogitado?
Não estou cogitando disputar nada.
Estou no debate político. Todo mês tem artigo meu em vários veículos, no Estadão, na Folha de S.Paulo, no Globo, de vez em quando no Correio Braziliense. Estou escrevendo o tempo inteiro sobre ideias e coisas que precisam ser feitas no país, de um projeto para o país.
Por que que o ato de filiação vai ser em São Paulo e não aqui no Espírito Santo?
Estou vivendo muito em São Paulo, trabalhando na área privada em São Paulo. Presido uma organização (a Ibá, Indústria Brasileira de Árvores), estou em conselhos de empresas e assim por diante.
Mas seu domicílio eleitoral permanece no Espírito Santo.
Sim, capixaba. Toda eleição, vocês sabem, estou votando aqui.
Depois da filiação ao PSD, vai continuar na presidência da Ibá, participando de conselhos de empresas e morando a maior parte do tempo em São Paulo?
Sim, claro.
Tem uma coisa que o senhor não alcançou na sua carreira, na política ...
"As pessoas me perguntam: 'Paulo, você quis ser presidente da República?' Quis. Presidente e vice-presidente"
Eu me lembro de uma conversa que tive com o Antônio Carlos Magalhães, não o neto, o avô, e ele me falou uma coisa muito interessante.
Ele falou: "Paulo, eu trabalho muito ao longo da vida, dou um duro danado, sabe, articulo, corro atrás das coisas, faço acontecer. E você é a mesma coisa". Nós estávamos no gabinete da presidência do Senado, ele apontou para o Palácio do Planalto e falou assim: "Mas para chegar lá, não adianta nada disso. Não é trabalho, não é dedicação, é destino".
Eu tive vontade de disputar a Presidência da República ou de ser vice-presidente. Teve um momento que eu fui sondado e tal.
O senhor conjugou o verbo no passado, "tive". Não tem mais?
Agora nós temos que ir de Ratinho (Jr., governador do Paraná, filiado ao PSD), de Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul, também filiado ao PSD).
A fila anda.
No momento (2022) meu nome estava forte, estava colocado, tinha discussão em torno do meu nome. Agora, posso dar uma boa contribuição do ponto de vista das ideias, do ponto de vista programático.
O senhor tem feito elogios públicos ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e vice-versa. Ele é um possível candidato à Presidência da República.
Conheci Tarcísio no governo da Dilma (o hoje governador de São Paulo foi diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes durante o governo Dilma Rousseff) e fiquei impressionado com a qualidade técnica dele. No governo Temer, foi ministro da Infraestrutura e depois governador de São Paulo. É um ganho para a política brasileira receber um quadro qualificado como ele.
Mas sobre a presidência da República, tenho que falar primeiro do Ratinho e do Eduardo. O Ratinho está fazendo um ótimo governo no Paraná. Sou amigo pessoal do Eduardo e contribuí com o governo dele (no Rio Grande do Sul), nas vezes que ele me chamou.
Fora do PSD, tem o Tarcísio; o Caiado (Ronaldo Caiado, governador de Goiás e filiado ao União Brasil); o Zema (Romeu Zema, governador de Minas Gerais, do Novo); o ministro da Fazenda, Haddad (Fernando Haddad, do PT); o Renan Filho (ministro dos Transportes, filiado ao MDB); o João Campos (prefeito do Recife e futuro presidente nacional do PSB, partido do governador Renato Casagrande).
E tem o Eduardo Paes (prefeito do Rio de Janeiro, filiado ao PSD).
Eles vão proporcionar ao país um outro ciclo de liderança. Isso é muito bom, oxigena. Nós falamos disso do Espírito Santo e vale para o Brasil também.
O senhor citou dois ministros do governo Lula. Como avalia, no geral, o governo federal?
Não está bem. Não sou eu que estou dizendo, são as pesquisas.
O que me preocupa mais são as as oportunidades que estão em cima da mesa. O velho Roberto Campo, certa feita, escreveu: "O Brasil não perde uma oportunidade de perder oportunidades".
O mundo tem que descarbonizar, precisa mudar a matriz energética. O Brasil pode ser um grande provedor de energia limpa e um grande grande provedor de serviços e produtos a partir de energia limpa. A inteligência artificial, por exemplo, precisa de energia limpa, gasta energia para danar, sabe?
Tem um conjunto de oportunidades em cima da mesa que o Brasil tá correndo o risco de perder.
E a atual gestão do governo do Espírito Santo, comandada pelo governador Renato Casagrande (PSB), como o senhor avalia?
Na definição de um sábio, ex é como um jarro chinês. Ex-presidente da República, ex-governador, ex-prefeito...
Você ganha um jarro chinês grandão de presente e fica ali, olhando. Onde é que eu vou colocar isso? Sempre fui um ex legal. O que eu tinha que fazer eu fiz.
O que outros estão fazendo ex não devia ser o melhor avaliador. A não ser que entre na luta política, aí tem que avaliar, mas eu não estou na luta política do dia a dia.
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