Na Câmara dos Deputados, a PEC da Blindagem — que protege deputados e senadores de processos criminais e até de medidas cautelares cíveis — foi aprovada maciçamente pelos parlamentares do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Dos 88 parlamentares da sigla, 82 votaram a favor da proposta. Entre os 67 deputados federais do PT de Lula, 10 foram favoráveis à PEC, considerando o placar do segundo turno de votação.
Na bancada capixaba, o único deputado do PL, Gilvan da Federal, votou a favor, e os dois do PT, Jack Rocha e Helder Salomão, contra.
No Senado, entretanto, os representantes do Espírito Santo dos dois partidos vão estar lado a lado. Fabiano Contarato (PT) e Magno Malta (PL) já avisaram que vão votar contra a PEC da Blindagem. É um raro alinhamento, que vamos destrinchar aqui.
"Reconheço a importância de um debate amplo sobre os limites institucionais. Entendo que a PEC surgiu diante de uma realidade em que o Supremo Tribunal Federal avançou sobre competências do Congresso, o que gera preocupações legítimas. No entanto, da forma como está redigida, a proposta gera muitos ruídos. Por isso, sou contra", afirmou Magno, em nota enviada à coluna nesta segunda-feira (22).
Contarato, por sua vez, cravou: "No Senado, meu voto será contra essa e qualquer outra proposta que tente blindar parlamentares da força da lei. O Brasil não tolera mais a impunidade".
O petista participou, no domingo (21), em Vitória, de protesto contra a PEC. Atos similares foram realizados em todas as capitais.
O clima hoje, no Senado, é para barrar a Proposta de Emenda à Constituição. De acordo com levantamento do jornal O Globo, 51 dos 81 membros da Casa já se declararam contra a proposta, alguns deles apenas por terem mudado de ideia após a repercussão negativa da aprovação na Câmara.
A senadora Ivete da Silveira (MDB-SC), por exemplo, se diz agora contra a proposta. O senador da oposição Romário (PL-RJ), também.
Antes mesmo dos protestos, Contarato e Magno já haviam se posicionado contrários à medida, então não se pode dizer que as manifestações afetaram os posicionamentos deles.
Marcos do Val (Podemos), que também é senador pelo Espírito Santo, está licenciado do mandato, a pedido dele mesmo, e por isso não vai participar da votação. Como o período da licença não é superior a 120 dias, não houve convocação de suplente.
IDEOLOGIA, PRA VIVER
Desde as eleições de 2018, a pauta ideológica rasa passou a dominar o debate político no Brasil. Não quer dizer que, até então, os parlamentares votassem todos de acordo com os interesses da população, obviamente.
Mas o principal argumento utilizado para se posicionar em relação a propostas específicas tornou-se "se é algo de esquerda ou de direita", num alinhamento superficial, mas não gratuito, com o objetivo de agradar não à opinião pública e sim a eleitores que formam torcidas sectárias.
E também promover discursos inflamados com capacidade de viralizar nas redes sociais.
Nada contra ter uma ideologia para viver. Mas achar aceitável que um deputado ou senador acusado de corrupção, homicídio, estupro ou qualquer outro crime, só possa ser processado se os outros deputados ou senadores, autorizarem (com voto secreto), exige mais que alinhamento ideológico.
UÉ?!
Eleitores e parlamentares que se posicionam a favor da PEC da Blindagem têm que fazer um contorcionismo constrangedor.
Como pano de fundo, há o projeto de anistia para beneficiar condenados por tentativa de golpe de Estado, como o próprio Bolsonaro. A PEC serviria para agradar parlamentares pró-blindagem que, em troca, votariam a favor da anistia ou da redução das penas dos condenados.
O argumento oficial a favor da PEC é que a proposta é necessária para proteger o parlamento de perseguições políticas do Supremo Tribunal Federal (STF), Corte em que deputados e senadores são processados e julgados.
Contraditoriamente, o texto da PEC amplia o foro privilegiado, para que presidentes de partidos também somente possam ser processados e julgados pelo STF. Se o Tribunal é tão ruim assim, por que os parlamentares querem que os líderes dos partidos deles sejam julgados lá e não por juízes de primeiro grau, como ocorre hoje?
É evidente que a ideia não é se proteger de eventuais "perseguições" e sim obter um escudo contra o Judiciário e contra o próprio senso de justiça.
Incoerência não é novidade na vida pública brasileira, mas seria difícil para Magno, que defende penas mais graves para diversos tipos de crime, apoiar declaradamente um caminho para a impunidade que beneficia, potencialmente, ele mesmo e outros parlamentares.
É algo que pega mal até entre alguns eleitores de direita, base eleitoral do PL, preço alto demais a pagar.
O mesmo vale para Contarato, delegado aposentado da Polícia Civil e ex-líder do PT no Senado. Posicionar-se a favor da PEC seria ajudar politicamente os bolsonaristas e, juridicamente, criminosos. Eleitores progressistas não esperariam nada menos que o voto contrário do senador ao texto.
Parte dos deputados federais petistas que votaram a favor da blindagem já se diz arrependida, diante da impossibilidade de argumentar convincentemente em prol da ideia.
O PT, que liberou a bancada na Câmara para votar como quisesse, agora reavalia a posição, só porque repercutiu mal.
ELEIÇÃO DECISIVA
O episódio ilustra a relevância do Senado como revisor das propostas aprovadas pela Câmara dos Deputados.
No ano que vem, dois terços das cadeiras na Casa vão estar em disputa, duas em cada estado.
No Espírito Santo, tradicionalmente, os eleitores deixam para escolher os candidatos ao posto na última hora. Foi assim em 2018, quando Contarato e Do Val foram eleitos. A corrida de 2026 é pelas cadeiras hoje ocupadas pelos dois. Já Magno, vitorioso em 2022, tem mandato até 31 de janeiro de 2031.
LEIA MAIS COLUNAS DE LETÍCIA GONÇALVES
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.
