Um vídeo publicado pelo youtuber Felca chocou não apenas os brasileiros, mas repercutiu em todo o mundo. Com mais de 48 milhões de visualizações, ele escancarou a realidade da adultização de crianças nas redes sociais e os riscos devastadores da exposição precoce de menores no ambiente digital. Um dos aspectos mais perturbadores revelados é a presença de criminosos sexuais — pedófilos — que não apenas assistem e incentivam esse tipo de conteúdo, mas, em muitos casos, se aproveitam física e emocionalmente das vítimas inicialmente expostas nas redes.
O Brasil está entre os países mais conectados do planeta: mais de 80% da população utiliza redes sociais. Crianças cada vez mais novas criam perfis sem supervisão, tornam-se alvos fáceis de criminosos e se transformam em estatísticas que preferiríamos que não existissem. O vídeo de Felca não só denuncia essa realidade, mas também evidencia a falha sistêmica de proteção — escolas desatentas, plataformas omissas e famílias muitas vezes desinformadas.
Dados alarmantes reforçam a gravidade da situação:
- Em 2023, a SaferNet Brasil recebeu 71.867 novas denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil online, um aumento de 77% em relação ao ano anterior e o maior número já registrado desde 2006;
- Entre 2021 e 2023, o país registrou 164.199 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes até 19 anos, o que equivale a um estupro a cada 8 minutos;
- Em 2023, o Disque 100 registrou 657.200 denúncias, um crescimento de 22,6% em relação ao ano anterior.
Como policial federal há 22 anos e, sobretudo, como pai de um menino de 12 anos e de uma menina de 6, sinto-me obrigado a falar sobre esse tema. Não à toa, durante meu período à frente da Polícia Federal no Espírito Santo, ampliei um programa que originalmente abordava o tema das drogas incluindo nele a prevenção ao abuso e à exploração sexual de crianças.
Por meio dessa iniciativa, milhares de estudantes da rede pública puderam participar de palestras educativas e, em diversas ocasiões, vítimas se manifestaram durante as apresentações, mostrando o poder da conscientização e da informação para transformar vidas.
Não podemos fechar os olhos. Criminosos que abusam de crianças e adolescentes merecem a prisão e, obviamente, penas mais severas. A repressão é fundamental, mas não basta. Educação e prevenção são tão ou mais importantes. Pais precisam compreender os riscos, dialogar com seus filhos e acompanhar de perto sua vida digital. Crianças devem aprender, desde cedo, que o perigo também se esconde atrás de telas aparentemente inocentes.
A Polícia Federal há algum tempo já trata o tema como absoluta prioridade. Há mais de dois anos, a Direção-Geral da PF criou uma diretoria dedicada exclusivamente a combater os crimes cibernéticos, entre eles a violência sexual praticada contra crianças e adolescentes e disseminada digitalmente. Unidades especializadas também foram implantadas em todos os estados do país.
É preciso, agora, que os demais componentes do poder público — notadamente aqueles que lidam com crianças e adolescentes (secretarias de Educação dos estados e municípios, polícias estaduais, secretarias de Assistência Social, secretarias de Saúde etc.) — também passem a tratar o tema como prioridade. Enquanto não encararmos esse desafio como uma questão central de segurança pública e de saúde social, continuaremos alimentando um ciclo perverso de silêncio, omissão e tragédias anunciadas.
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