É delegado da Polícia Federal no Espírito Santo, oficial de Ligação da PF junto à Secretaria Geral da Interpol, ex-secretário de Segurança do Espírito Santo, mestre em Gestão Pública pela Ufes

Como policial federal, eu me sinto no dever de falar sobre adultização

Não podemos fechar os olhos. Criminosos que abusam de crianças e adolescentes merecem a prisão e, obviamente, penas mais severas. A repressão é fundamental, mas não basta

Publicado em 30/08/2025 às 02h00

Um vídeo publicado pelo youtuber Felca chocou não apenas os brasileiros, mas repercutiu em todo o mundo. Com mais de 48 milhões de visualizações, ele escancarou a realidade da adultização de crianças nas redes sociais e os riscos devastadores da exposição precoce de menores no ambiente digital. Um dos aspectos mais perturbadores revelados é a presença de criminosos sexuais — pedófilos — que não apenas assistem e incentivam esse tipo de conteúdo, mas, em muitos casos, se aproveitam física e emocionalmente das vítimas inicialmente expostas nas redes.

O Brasil está entre os países mais conectados do planeta: mais de 80% da população utiliza redes sociais. Crianças cada vez mais novas criam perfis sem supervisão, tornam-se alvos fáceis de criminosos e se transformam em estatísticas que preferiríamos que não existissem. O vídeo de Felca não só denuncia essa realidade, mas também evidencia a falha sistêmica de proteção — escolas desatentas, plataformas omissas e famílias muitas vezes desinformadas.

Influenciador Felca denunciou os abusos nas redes sociais
Influenciador Felca denunciou os abusos nas redes sociais. Crédito: YouTube/Felca/Reprodução

Dados alarmantes reforçam a gravidade da situação:

  • Em 2023, a SaferNet Brasil recebeu 71.867 novas denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil online, um aumento de 77% em relação ao ano anterior e o maior número já registrado desde 2006;
  • Entre 2021 e 2023, o país registrou 164.199 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes até 19 anos, o que equivale a um estupro a cada 8 minutos; 
  • Em 2023, o Disque 100 registrou 657.200 denúncias, um crescimento de 22,6% em relação ao ano anterior. 

Como policial federal há 22 anos e, sobretudo, como pai de um menino de 12 anos e de uma menina de 6, sinto-me obrigado a falar sobre esse tema. Não à toa, durante meu período à frente da Polícia Federal no Espírito Santo, ampliei um programa que originalmente abordava o tema das drogas incluindo nele a prevenção ao abuso e à exploração sexual de crianças.

Por meio dessa iniciativa, milhares de estudantes da rede pública puderam participar de palestras educativas e, em diversas ocasiões, vítimas se manifestaram durante as apresentações, mostrando o poder da conscientização e da informação para transformar vidas.

Não podemos fechar os olhos. Criminosos que abusam de crianças e adolescentes merecem a prisão e, obviamente, penas mais severas. A repressão é fundamental, mas não basta. Educação e prevenção são tão ou mais importantes. Pais precisam compreender os riscos, dialogar com seus filhos e acompanhar de perto sua vida digital. Crianças devem aprender, desde cedo, que o perigo também se esconde atrás de telas aparentemente inocentes.

A Polícia Federal há algum tempo já trata o tema como absoluta prioridade. Há mais de dois anos, a Direção-Geral da PF criou uma diretoria dedicada exclusivamente a combater os crimes cibernéticos, entre eles a violência sexual praticada contra crianças e adolescentes e disseminada digitalmente. Unidades especializadas também foram implantadas em todos os estados do país.

É preciso, agora, que os demais componentes do poder público — notadamente aqueles que lidam com crianças e adolescentes (secretarias de Educação dos estados e municípios, polícias estaduais, secretarias de Assistência Social, secretarias de Saúde etc.) — também passem a tratar o tema como prioridade. Enquanto não encararmos esse desafio como uma questão central de segurança pública e de saúde social, continuaremos alimentando um ciclo perverso de silêncio, omissão e tragédias anunciadas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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