Uma denúncia feita pelo influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, provocou uma reação incomum e acelerada no Congresso Nacional. Em um vídeo publicado no dia 6 de agosto, ele expôs casos de exploração e sexualização de crianças em plataformas digitais, alertando para o fenômeno da adultização, quando menores são expostos precocemente a comportamentos, responsabilidades e conteúdos próprios do mundo adulto.
A repercussão foi imediata. Entre a segunda-feira (11) e a manhã de terça-feira (12), a Câmara dos Deputados registrou a apresentação de 32 projetos de lei voltados a combater a adultização infantil. As propostas variam desde a proibição da monetização de conteúdos que envolvam crianças até a tipificação da “adultização digital” como crime, passando pela responsabilização de plataformas, influenciadores e, em alguns casos, dos próprios pais ou responsáveis.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), prometeu prioridade na tramitação. Ele anunciou a criação de um grupo de trabalho com prazo de 30 dias para consolidar um texto mais abrangente, com a participação de especialistas e representantes da sociedade civil. “Vamos tratar o assunto com urgência e responsabilidade. É um tema que mexe com o futuro das nossas crianças”, afirmou.
O movimento reacendeu o debate sobre o Projeto de Lei 2.628/2022, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara. O texto, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), prevê medidas como controle parental, verificação de idade e transparência nos algoritmos. Para a diretora-executiva da Childhood Brasil, Laís Peretto, a aprovação seria um passo decisivo: “É um projeto robusto, construído com a participação da sociedade civil, e que oferece ferramentas concretas para proteger crianças no ambiente digital”.
Entidades como o Instituto Alana alertam que a adultização não é exclusiva da internet, mas que as redes sociais ampliam a exposição e o alcance, potencializando riscos. Estudos apontam que a imposição de padrões e papéis adultos antes do tempo pode gerar danos ao desenvolvimento emocional e cognitivo, além de abrir portas para abusos e exploração.
Especialistas defendem que a resposta precisa ir além de novas leis. É necessário educar pais, responsáveis e a própria sociedade para compreender os perigos da exposição digital precoce. “Não se trata apenas de punir, mas de criar um ambiente seguro e saudável”, resume a psicóloga infantil Marina Souza.
A denúncia de Felca, que acumulou milhões de visualizações, revelou uma realidade incômoda, pois a infância vem sendo negociada em curtidas, engajamento e monetização. Muitas vezes, são os próprios adultos mais próximos que colocam as crianças diante das câmeras, reproduzindo tendências que, no limite, as privam do direito de viver plenamente sua fase mais importante.
O desafio agora é transformar a indignação em ação efetiva. O Congresso, pressionado pela opinião pública, tem a oportunidade de aprovar um marco regulatório sólido, que imponha responsabilidades claras e estabeleça limites firmes para o ambiente digital. Mas a legislação, por si só, não basta. É preciso também um compromisso coletivo, que inclua famílias, escolas, plataformas e anunciantes, para romper com a lógica que explora a imagem infantil como mercadoria.
Se a reação despertada pela denúncia de um influenciador se converter em mudança concreta, poderemos olhar para este momento como um ponto de virada. Caso contrário, será mais um capítulo da longa lista de pautas urgentes que se perderam no tempo, enquanto novas infâncias continuam sendo encurtadas pela pressa e pela exposição que não pediram para ter.
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