Doutora em Epidemiologia (UERJ). Pós-doutora em Epidemiologia (Johns Hopkins University). Professora Titular da Ufes. Aborda nesta coluna a relação entre saúde, ciência e contemporaneidade

Mulher na ciência: meu relato sobre a luta e a existência durante a pandemia

Nesse duro caminho percorrido por todos nós, retrato no meu livro um pouco de como uma cientista com formação muito acadêmica precisou se reinventar e sair de uma comunicação estritamente científica para disputar as narrativas

Publicado em 29/09/2022 às 00h02

"Mulher na Ciência" é o nome do meu livro, que será lançado neste dia 30 de setembro pela editora Encontrografia na Adufes, no campus de Goiabeiras da Ufes. Na obra, conto um pouco a minha experiência pessoal de viver como uma cientista em um mundo muito conturbado não só pela própria pandemia, mas pelas questões políticas que interferiram nas ações de controle durante a maior crise sanitária deste século.

Quando decidi escrever o livro, minha intenção era deixar um registro histórico de momento único em nossas vidas, para que as futuras gerações pudessem compreender melhor o que se passou neste país, que até então era referência de vacinação para o mundo.

Como feminista que luta pela igualdade de direitos, a marca de ser uma mulher cientista traz implicações de gênero importantes. Em uma sociedade ainda muito machista e patriarcal, para fazer valer nossas ideias, defender nossas causas e fazer com que nossas opiniões (mesmo fundamentadas) sejam ouvidas e levadas em consideração, ainda há uma longa luta em curso. Em contraposição aos nossos colegas cientistas, muitas vezes temos que falar mais alto, falar mais vezes e falar mais firme para que possamos ser levadas a sério em um ambiente ainda extremamente opressor para as mulheres.

Epidemiologista
Capa do livro "Mulher na Ciência" de Ethel Maciel. Crédito: Divulgação

Enquanto estamos lutando para existir nesse contexto, nunca estamos exatamente inteiras: há sempre muitas tarefas com as quais precisamos nos dividir, o que não é da mesma forma para os homens na ciência.

Ao longo dessa obra, falo muito sobre as escolhas. De que forma as escolhas que fazemos vão nos levando a lugares que não imaginávamos no início, mas que de certa forma parecem ser exatamente onde deveríamos estar. Apenas quatro dias após minha não nomeação como reitora, apesar de eleita pela comunidade universitária, aceitei me integrar à sala de situação com o governo estadual, ao lado do governador Renato Casagrande e da vice-governadora Jacqueline Moraes. As primeiras medidas, as primeiras escolhas que precisaram ser feitas para a proteção das vidas, as divergências e os panos de fundo que me levaram às novas escolhas.

Em meio a isso, o convite para escrever uma coluna sobre ciência no jornal A Gazeta me possibilitou uma conversa mais próxima com a sociedade. Depois o programa semanal na CBN Vitória, que considero uma das experiências que mais me preparam para uma divulgação cientifica mais efetiva. Com isso, a construção de vínculos, a relação de confiança com a sociedade. Muitas vezes fui surpreendida por pessoas das mais diferentes faixas etárias, classes sociais e credos falando comigo e pedindo meus conselhos sobre como fazer determinada tarefa de forma mais segura, ou menos insegura, no meio da pandemia.

Depois, a experiencia da participação no Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19. Os bastidores, as divergências com o governo federal que queria limitar o número de vacinas. O envio do plano sem nossa autorização ao STF e o que se seguiu para desmascarar a farsa do plano que não contemplava a população.

Nesse duro caminho percorrido por todos nós, retrato um pouco de como uma cientista com formação muito acadêmica precisou se reinventar e sair de uma comunicação estritamente científica para disputar as narrativas no espaço da sociedade, no meio de uma onda negacionista, na qual a ciência foi colocada à prova como explicação do que acontecia durante a pandemia.

Convido o leitor a revisitar comigo o recorte do tempo de fevereiro de 2020 a dezembro de 2021, quando finalizei o livro. Felizmente, já com a população brasileira vacinada e já recebendo as primeiras doses de reforço. Por fim, divido um pouco da minha experiência pessoal, quando recebi o diagnóstico da Covid-19, já vacinada, em um contexto muito menos grave do que aquele que tirou a vida de milhares de brasileiros que não tiveram a mesma chance.

Foram muitas batalhas, lutas em campo aberto contra inimigos visíveis e invisíveis, relembrando e prestando meu respeito às milhares de vidas que foram perdidas. Esse livro é uma homenagem a elas, na esperança de que suas partidas prematuras não tenham sido em vão. Que possamos aprender a lição: em momentos incertos, a ciência é nossa melhor bússola para nos guiar para fora do nevoeiro.

Resolvi fazer esse momento de lançamento para ter a oportunidade de encontrar muitas pessoas com que conversei durante a pandemia, mas nunca conheci pessoalmente. O evento é aberto e espero encontrar você lá na Adufes. Em meio ao caos que vivemos, esse é um momento de celebrar a vida, a ciência e a vitória da razão.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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