Presidenta da Sociedade Brasileira de Bioética, pós-doutora em Saúde Coletiva, doutora em Bioética

Brasil marcou encontro com seu passado, seu presente e seu futuro

Não é uma comemoração ingênua, de vitória acomodativa. É celebração que convida ao alerta permanente, a trazermos à memória a história de nossas tristes lembranças da ditadura, dos tempos de silenciamento de muitos e de privilégios de poucos.

Publicado em 16/09/2025 às 03h30

O resultado do julgamento de Jair Messias Bolsonaro e de todos os demais participantes do Núcleo 1 (núcleo crucial, que comandou a tentativa de golpe contra a democracia brasileira) é um sopro de esperança a nos anunciar que nem tudo está perdido e que a distopia que se apresenta como caos instalado e aparentemente impossível de ser trazido à normalidade pode ser vencida com os instrumentos e as instituições disponíveis no Estado Democrático de Direito, sem que seja necessário utilizar-se de força ou coerção.

Na condenação do grupo, que inclui militares de alta patente, ex-presidente, deputado federal, ex-ministros, dentre outros, o Brasil acertou contas com o seu passado e saiu da condição deplorável em que foi jogado com a anistia ampla, geral e irrestrita do golpe civil-militar de 1964.

Já não iremos mais alimentar a ideia de que somos um país sem dignidade, sem coragem, sem honradez, subjugados pela força de uma corporação que nos mantém cativos, amedrontados e aprisionados em nossas próprias cordas.

Militares foram julgados, condenados e vão cumprir pena pelos crimes cometidos e pelas atrocidades que patrocinaram, sem que qualquer distinção lhes seja concedida.

O STF não se acovardou, a despeito das duras ameaças feitas por Donald Trump a alguns de seus membros. O Executivo manteve firme a defesa da soberania e não se curvou à força da maior potência do mundo. De forma altiva, o governo brasileiro se comportou e manteve a tranquilidade necessária para que o pânico não tomasse conta da economia e da política.

Diferentemente dos EUA que, diante do mesmo cenário de ofensiva ao Capitólio, não teve forças nem instituições firmes no sentido de resistir aos ataques golpistas, o Brasil mostrou a sua potência democrática.

Primeiro dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 7 réus no STF por trama golpista
Primeiro dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 7 réus no STF por trama golpista. Crédito: Antonio Augusto/ STF

O apoio da sociedade foi fundamental para que o Judiciário, a despeito das fissuras internas provocadas pelo ministro Fux, permitisse que o país saísse com dignidade desse ataque brutal ao Estado Democrático.

O longo e desarrazoado voto de Fux, carregado de contradições e vergonhosas atecnias jurídicas, inadmissíveis para um ministro do Supremo, não foram capazes de modificar o resultado tão esperado por todos que compreendem a história como modelo a ser consultado na tomada de decisões estratégicas.

Um garantista de ocasião, oportunista da conveniência, sem qualquer tipo de balizador em seu histórico de julgador para o tipo de voto prolatado, Fux sai apequenado, seja como intelectual, seja como jurista prático, seja como homem honrado que não se submete a interesses impublicáveis.

Não é punitivista, não é garantista, não é adepto de nenhuma das escolas tradicionais ou contemporâneas que servem de balizadoras teórico-metodológicas para a tomada de decisões judiciais em casos que envolvem direito penal. É um jurista de ocasião que, no mesmo processo, decide conforme seus interesses, sem qualquer compromisso com coerência interna, coesão argumentativa, harmonia ou nexo causal.

Perde Fux, que se utiliza de seu poder de interromper o diálogo com seus pares, impondo compromisso de silenciamento por impossibilidade de sustentar uma posição de forma consistente, colocando-se a serviço dos advogados dos réus, dando-lhes os argumentos prontos para os recursos, mas ganha a Democracia brasileira, com os votos dos demais ministros.

No dia 11 de setembro, o Brasil marcou um encontro entre seu passado, seu presente e seu futuro. Reconhece os erros históricos de anistias indevidas, os riscos delas decorrentes, se apruma no presente com vistas a um futuro possível para a democracia e para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Não é uma comemoração ingênua, de vitória acomodativa. É celebração que convida ao alerta permanente, a trazermos à memória a história de nossas tristes lembranças da ditadura, dos tempos de silenciamento de muitos e de privilégios de poucos.

A democracia é sempre incômoda para aqueles que, historicamente, concentraram riquezas e poder. Eles não desanimarão de continuar lutando para recuperar o que temporariamente lhes parece perdido.

A história da liberdade é uma história de luta contínua por justiça, por verdade, por esperança e por vigilância. Sigamos cientes de que o futuro exige de nós respeito ao diálogo, à civilidade, à prudência democrática e à cautela política.

Não se perde a liberdade em um único golpe contra a democracia, mas nos pequenos, disfarçados e camuflados ataques cotidianos que se dão na disputa por ocupação de espaços na micropolítica, no interior das instituições, familiares, sociais ou políticas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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