É juiz do Trabalho, mestre em Processo, especialista em Direito do Trabalho e economista. Professor de graduação e pós-graduação da FDV. Neste espaço, busca fazer uma análise moderna, crítica e atual do mercado e do Direito do Trabalho

Se o capitalismo está acabando, o que vem depois?

Mudanças drásticas reconfiguram a sociedade. A magnitude dessa transformação deve gravitar, em níveis de intensidade, entre a passagem do feudalismo para o capitalismo (e o surgimento do Estado de Direito) e da escravidão para o trabalho livre

Publicado em 13/06/2023 às 00h21

Não é de hoje que o grande debate científico, em nossa área de estudo, gira em torno do cenário pós-capitalista ou pós-neoliberal. Ao contrário do que se vê nas redes sociais e discursos populares de senso comum, a academia séria e profunda está há mais de século à frente do antigo e sepultado conflito “liberalismo versus comunismo”. E as vozes mais eminentes hoje são uníssonas ao afirmar que estamos passando por um processo de transição, com clara saturação do capitalismo tradicional de shareholders.

Há desde pensadores que se intitulam de esquerda, como Nick Srnicek (LSE e Kings College), que prevê um mundo sem trabalho humano, eminentemente substituído pelo trabalho mecanizado e inteligência artificial (e, por isso, prevê maior participação do Estado na manutenção da dignidade do trabalhador, com a necessidade de fortes políticas de seguridade e renda universal), como aqueles do outro lado, como Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, que espera a transição para um capitalismo de partes interessadas (stakeholder capitalism), com empresas mais preocupadas com seu entorno do que com os ganhos de seus acionistas.

Mudanças drásticas reconfiguram a sociedade. A magnitude dessa transformação deve gravitar, em níveis de intensidade, entre a passagem do feudalismo para o capitalismo (e o surgimento do Estado de Direito) e da escravidão para o trabalho livre, subordinado e remunerado (a revolução industrial).

A dúvida é, ao contrário desse último, se será algo positivo. Enfim, a redução da industrialização, desde a década passada, as falhas na cadeia produtiva global, ostensiva no período crítico da pandemia e a inteligência artificial, são algumas, entre outras, das causas dessa transição.

Um dos mais renomados economistas da atualidade, Dani Rodrik (formado em Harvard, com Ph.D. em Princeton) recentemente publicou um ensaio sobre o que ele denomina de “Produtivismo”, como um possível cenário substitutivo ao sistema atual (On Productivsm, março/2023).

Com forte crítica aos modelos tradicionais (e um sutil humor ácido), Rodrik consolida os fundamentos que evidenciam esse estágio de transição do mundo atual e o que é preciso para que cada país, para que cada mercado, possa se tornar sustentável, criando e mantendo empregos de qualidade no futuro.

Seu approach prioriza a disseminação das oportunidades de produção através das vantagens que cada local possui. Para tanto, ele põe menos fé nas grandes corporações, enfatizando a produção sobre o mercado financeiro e as comunidades locais sobre a globalização. Em que pese isso possa parecer algo retrógrado, ressalta Rodrik que o produtivismo diverge tanto do neoliberalismo quanto das políticas keynesianas. Seu foco, ao contrário da social-democracia, é o setor produtivo e não a redistribuição de renda.

Modelos de crescimento econômico (neoliberais) recebem intervenções de políticas públicas pautadas na alta produtividade, com fortes investimentos em todos os estágios da produção: no pré-produtivo (sistemas de inovação, regras de propriedade intelectual, acordos comerciais etc.), na produção (regulações pró-mercado, incentivos à exportação e P&D) e, por fim, na pós-produção (incentivos fiscais, muito enfáticos no Brasil).

Já no modelo de bem-estar social, o foco fica nos investimentos e políticas públicas nos extremos: no pré-produtivo o investimento fica por conta da educação e treinamento, enquanto na pós-produção, nos programas de transferência de renda: seguridade social, redes de segurança (PIS, seguro-desemprego, SUS) e normas trabalhistas rígidas. Como resultado, tem-se a baixa produtividade.

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Crédito: Carlos Alberto

Rodrik critica os dois sistemas. Para se encontrar um modelo eficaz, ele busca eliminar o dualismo produtivo (modelo teórico pelo qual existe um setor de alta produtividade coexistindo com mercados mais pobres, como ocorre no agronegócio brasileiro: uma parte coloca o Brasil na liderança mundial da produção de alimentos, convivendo com milhões de microprodutores que mal conseguem se sustentar).

O problema do dualismo produtivo reside na ampliação das desigualdades econômicas e sociais, com um setor moderno mais desenvolvido coexistindo com um setor tradicional ou informal de baixa produtividade. Isso resulta em disparidades significativas de renda, condições de trabalho precárias e falta de oportunidades para os trabalhadores do setor tradicional, levando à pobreza, exclusão social e instabilidade política. Além disso, o dualismo produtivo dificulta a diversificação econômica e limita o crescimento sustentável da economia como um todo.

O estreito setor sofisticado, normalmente calcado na indústria, historicamente oferece bons empregos. Ocorre que a tendência é investimento em produtividade. Ampliando a automação, tende-se em reduzir a mão de obra. Em outras palavras, setores desenvolvidos, no longo prazo, perdem a habilidade de criar e manter bons empregos, trazendo como efeito a dizimação da classe média (Peter Temin, The Vanishing Middle Class, 2017).

Como consequência do dualismo produtivo, segundo Rodrik, tem-se o fim dos bons empregos. A falta desses traz, além dos custos econômicos acima vistos, os custos sociais (famílias rompidas, abuso de drogas, crimes...) e políticos (polarização, crescimento do populismo, descrença na ciência e nas instituições). Nada de novo no front, é só abrir os jornais pela manhã.

Para o autor, o produtivismo transcende paradigmas do passado (direita e esquerda), devendo ser visto com lentes que encontram os diversos pontos de convergência entre o welfare-state keynesiano e o neoliberalismo. Para tanto, a função estatal se reconfigura, focando recursos tão somente no estágio produtivo, especificamente na promoção de alta qualidade de empregos (os good jobs), com políticas de treinamento, incentivo a negócios locais e em inovações “labor-friendly”.

O resultado pode não ser a mais alta produtividade (neoliberal), mas também evita a baixa produtividade das políticas redistributivas (keynesianas). Ao final, o autor esclarece que, ao contrário dos idealistas extremos, não existe nenhuma ideia ou paradigma “one-size-fits-all”. Cada país, cada comunidade local, deve encontrar seu caminho sob uma ótica ampla, evitando a polarização, a cegueira e a compra de um produto enlatado.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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