É graduado em Direito pela Ufes e assessor jurídico do Ministério Público Federal (MPF). Questões de cidadania e sociedade têm destaque neste espaço. Escreve às sextas-feiras

Plano golpista tentou usar via jurídica do golpe de 1964

Moldura jurídica que se pretendia utilizar no golpe de Estado sob Bolsonaro em muito lembrou aquela utilizada no golpe de 1964: a distorção de normas e regras para dar aparência de legalidade à ruptura constitucional e democrática

Publicado em 29/11/2024 às 03h35

Por mais que o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores mais radicais insuflem e queiram, as Forças Armadas não deram um golpe militar no Brasil após a vitória de Lula nas eleições de 2022. A moldura jurídica que se pretendia utilizar no golpe de Estado sob Bolsonaro em muito lembrou aquela utilizada no golpe de 1964: a distorção de normas e regras para dar aparência de legalidade à ruptura constitucional e democrática.

Diferentemente do golpe de 1964, que culminou na deposição do então presidente João Goulart, desta vez, indubitavelmente, a trama falhou!

Ainda que muitos desejem retornar à era antidemocrática, 2021 não é 1964. Apesar de algumas semelhanças, como a insistência na ideia persecutória de uma hipotética tentativa de implantação do regime comunista, o Brasil de hoje não é o mesmo da época da Guerra Fria.

1964
Tanque na rua após o golpe civil-militar de 1964. Crédito: Reprodução

Seis décadas depois, a sociedade está muito mais conectada à realidade social e política, graças à maior acesso a diversos meios de comunicação, o que não seria permitido à época da censura. As instituições constituídas sob a égide da Constituição de 1988 têm a robustez necessária para defender a democracia. Uma conjugação de aspectos impediu que o resultado da sanha golpista mais recente fosse o mesmo que aquele de 1964.

Atualmente, diferente de outrora, os golpes de Estado ocorrem, em sua maioria, não mais pela via militar, ainda que o aparato militar possa se mostrar necessário para a consecução do golpe. Como bem lembram Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, dois

conceituados professores de Harvard e autores do célebre livro “Como as democracias morrem”, nos tempos atuais, as rupturas democráticas mais usuais se dão por aqueles que, após eleitos pelo regime democrático, utilizam-se, sub-repticiamente, dos mecanismos legais para desestabilizar as instituições, desprezar as regras do jogo democrático, perseguir opositores e a imprensa.

Estratégia muito comum aos autocratas da contemporaneidade, além da utilização dos mecanismos jurídicos para deturpar o sentido das regras democráticas, é o investimento numa retórica calcada no discurso de ódio, no afã de colocar os opositores como menos dignos de ocupar cargos eletivos ou, até mesmo, como verdadeiros inimigos da nação.

E foi justamente esse o modus operandi de ruptura democrática que pretendia a alta cúpula do bolsonarismo, conforme mostram as investigações que vieram a tona nos últimos dias. Inclusive, o vocabulário jurídico utilizado nas minutas de decretos golpistas para manter Bolsonaro no poder lembra aquele invocado no golpe de 1964. Repetiram o óleo de peroba para esconder a mesma cara de pau.

Ainda mais que outrora, é imprescindível a reafirmação do compromisso com a democracia e os objetivos fundantes da nação brasileira. Ditadura nunca mais!

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