É escritora de ficção e professora de cinema. Foi indicada ao Prêmio Jabuti. Escreve quinzenalmente às terças-feiras sobre livros, filmes, atualidades variadas e fatos contemporâneos

A resiliência feminina em um filme dos anos 80

Uma jovem passa por nuances que ainda hoje atravessam a vida de tantas mulheres na luta para tomada de consciência, liberdade e autoafirmação

Publicado em 15/07/2025 às 04h00

Os anos 80 são uma espécie de recheio de sanduiche temperado por oscilações culturais, embate de costumes, choques de visões sociais, e transformações. Estão imprensados entre a rebelião contra o conservadorismo e o conformismo de gente disposta a tudo para se dar bem. Dessa mistura não escapam os modos de expressão artísticas.

À época, alguns filmes marcaram um legítimo espanto e alvoroçada admiração, diante do atrevimento com que personificavam embates instalados entre os papéis sociais, as demandas dos sexos, o comportamento das pessoas etc. É verdade que, hoje, esses mesmos filmes nos parecem um tanto fora de foco diante da acelerada mudança dos costumes que fazem o rodopio do século XXI. Mas revê-los pode provocar uma epifania capaz de abrir semelhanças com o lugar da mulher no presente.

Aconteceu-me isso, ao rever “Totalmente Selvagem” de Jonathan Demme. O filme, de 1986, trabalha o choque do estar no mundo naquele período e prenuncia o que viria depois. Uma jovem passa por nuances que ainda hoje atravessam a vida de tantas mulheres na luta para tomada de consciência, liberdade e autoafirmação.

Melanie Griffith e Jeff Daniels em
Melanie Griffith, Jeff Daniels. Crédito: Metro-Goldwyn-Mayer Studios/Divulgação

No começo, a jovem em questão é o protótipo da rebelde sedutora e imprudente, que não hesita em trapacear e roubar. Saindo de um café, ela oferece carona a um executivo certinho e convencional. Acaba por conduzi-lo em uma aventura maluca, por estradas e motéis.

Metida em um vestido preto e carregando dezenas de pulseiras coloridas nos braços, além de ostentar uma peruca escura, lisa e curta, apresenta a si mesma como “Lulu”. De fato, a personagem é um avatar daquela Lulu, de sexualidade desinibida do filme “A caixa de Pandora”, de 1927, dirigido por Pabst.

Com o correr da história, a liberdade selvagem da rebelde Lulu vai se transformando em uma constrangedora situação de dependência feminina. A partir da revelação de seu nome verdadeiro (Audrey), tudo sobre ela e sua vida se revela uma grande mentira. Descobre-se que não passa de uma moça interiorana, vivendo as inseguranças e ansiedades de sua época, casada com um ladrão que retorna da prisão para cobrar seus direitos de marido violento e dominador

Mas o filme aponta para alguma coisa que suaviza os atritos entre os seres humanos e demonstra a resiliência feminina através dos tempos, quando após ter sido desmascarada, maltratada e machucada fisicamente, Lulu refaz a situação do primeiro encontro com o executivo, agora também desmascarado como mentiroso e desempregado. Ressurge repaginada, reencontra o mesmo executivo de antes e parece pronta para uma nova possibilidade de recomeço e entendimento.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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