Nesses dias de confusão bélica planetária, vi e ouvi muitos programas, muitas notícias, muitas entrevistas, muitos depoimentos na televisão. Iam de um estatuto alarmista a uma vã tentativa de explicar coisas inexplicáveis. Afinal, a gente precisa saber se a esperança ainda é aquela equilibrista pendurada na corda bamba, eternizada na voz de Elis Regina, ou se a esperança já despencou e se foi para o brejo. Acontece que não consegui chegar à conclusão nenhuma. Mas constatei que está em moda um fenômeno um tanto repetitivo de fala.
Não é novidade que a língua que ouvimos e falamos está perpetuamente em mudança. Em qualquer parte do mundo pessoas vão e vêm, transitam pela vida, se adaptam a regras linguísticas ninguém sabe vindas de onde, nem criadas por quem.
Nossa língua portuguesa é uma persona viva como todas as demais línguas existentes, hoje, sobre o planeta. Nasceu há muitos séculos, filhota do latim vulgar. Misturou-se com outras, como as dos povos árabes, celtas e germânicos. Tornou-se adulta a partir do século XII, no Reino de Portugal. Chegou ao Brasil no rastro das navegações.
De lá para cá, virou uma miscelânea de palavras advindas de línguas indígenas, africanas, europeias etc. No uso cotidiano, ganhou modos regionais e maneiras peculiares de expressão, entre elas espécies de cacoetes um tanto enjoativos que se metem no que está sendo falado, nada significam, porém servem para amparar o falante como as muletas amparam os corpos que necessitam delas.
É justamente “muleta verbal” que se aplica a expressões que aparecem do nada, em uma certa época, e acabam se tornando automáticas e repetitivas. A pessoa nem se dá conta de que está sendo vítima, apoia-se nelas a cada minuto e vai por aí afora entremeando com elas o que diz. Talvez para ganhar tempo, talvez para continuar buscando um encadeamento do que vai dizer, talvez por vício inconsciente.
Pelo que vi e escutei recentemente, os meios de comunicação não escapam a essa regra geral. Em todas as matérias, notícias e entrevistas vistas e ouvidas na tela da TV, lá estava saltitando a palavrinha “então". De repórteres a ministros, ninguém deixou de entrecortar suas falas com aquele “então” sonoro, vibrante, enfático.
Em um só noticiário, cheguei à pachorra de contar: uma intrépida repórter, por mais de quinze vezes em dez minutos, repetiu seu “então”. Estaríamos vivendo um modismo, uma macaquice do “so” usado por norte-americanos, ou se trata de uma epidemia linguística em que a palavrinha viralizou e suplantou tantas outras que costumavam pontificar o discurso televisivo verbal?
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