Publicado em 24 de janeiro de 2020 às 20:13
Ao menos sete empresas já anunciaram recolhimento voluntário de lotes do medicamento cloridrato de ranitidina, que é indicado normalmente para tratamento de gastrite, úlcera do estômago e refluxo. Juntos, esses produtos somam ao menos 275 lotes. >
Além da Medley, que anunciou o recall na segunda-feira (20), outras empresas que suspenderam lotes específicos do medicamento foram EMS, Germed, Legrand Pharma, Nova Química, Hipolabor e Aché.>
Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o número de lotes recolhidos ainda deve crescer, uma vez que mais análises estão sendo concluídas. Procuradas, as empresas afirmam que a ação é preventiva.>
A medida ocorre após análises apontarem o risco de haver a contaminação desses medicamentos por nitrosaminas, impurezas que, em altos níveis e com consumo prolongado, podem levar a um risco de câncer.>
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Tratam-se de substâncias comuns em pequenas quantidades na água e em alguns alimentos, mas cuja presença é irregular em medicamentos. >
Apesar do alerta, o gerente de fiscalização da Anvisa, Ronaldo Ponciano, afirma que o risco ao consumidor é baixíssimo, sobretudo por não ser um remédio de uso contínuo.>
"Não é uma substância que o consumidor vai ter um dano imediato à saúde. O dano depende de uma exposição prolongada, e, mesmo naqueles que têm essa exposição, o risco é ínfimo", diz. "Mas há necessidade de controle por ser uma impureza que não pode estar presente em medicamentos acima dos níveis que consideramos seguros.">
As investigações sobre o caso começaram em setembro, quando a Anvisa suspendeu a importação e comercialização do insumo ranitidina fabricado pelo Saraca Laboratories Limited, que fica na Índia. >
Em seguida, ao menos outros cinco fabricantes de insumo tiveram os produtos suspensos.>
A situação fez a agência enviar um comunicado a todas as empresas que usam a ranitidina para que fizessem análises dos seus produtos. >
Ao todo, foram enviadas notificações a 24 delas, o que levou algumas a anunciar o recolhimento voluntário de parte dos lotes. O órgão não detalhou quantas informaram ter lotes liberados.>
Nesta sexta-feira (24), a agência publicou uma resolução em que suspende a comercialização de lotes de ranitidina de quatro empresas. O motivo é a ausência de dados que atestem que os lotes não apresentam contaminação por nitrosaminas acima dos limites estabelecidos. >
As medidas atingem lotes das empresas Medquímica, Farmace, Geolab e Hypofarma. Segundo a Anvisa, a suspensão ocorre por não terem finalizado as análises dentro do prazo exigido. A suspensão valerá até que o resultado de análises seja apresentado. >
O número total de lotes suspensos não foi informado.>
Essa não é a primeira vez que a descoberta de nitrosaminas leva a medidas de agências de vigilância.>
Em 2018, a presença de nitrosaminas já havia sido detectada em medicamentos com o princípio ativo sartanas, indicados para tratamento de hipertensão. >
A descoberta gerou alerta em autoridades regulatórias de diferentes países. No Brasil, levou ao recolhimento de ao menos 185 lotes de diferentes empresas.>
De acordo com Ponciano, o problema foi mitigado e resolvido. >
Mas o que leva à presença de nitrosaminas? >
Ponciano aponta diferenças do caso atual com o anterior. >
"Nas sartanas, a fonte de contaminação era uma combinação de reagentes durante a rota sintética. Isso quer dizer que era durante a síntese da molécula do ativo, do fabricante do insumo, que a contaminação ocorria. Agora, o que tem se evidenciado é que a própria molécula da ranitidina tem os grupamentos químicos necessários para autoformar essa impureza", diz ele, que ressalta que o motivo ainda está em estudos.>
Para evitar novos casos, a agência diz ter enviado alerta às empresas que produzem medicamentos com substâncias sintetizadas quimicamente para que façam uma busca ativa por nitrosaminas e aumentem o controle na fabricação.>
O gerente, porém, diz avaliar que o caso atual é menos grave que o das sartanas por envolver um medicamento específico e de fácil substituição. >
Segundo o médico gastroenterologista Ricardo Barbuti, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, não há motivo para pânico.>
"Mesmo para quem tomou ranitidina por muito tempo não temos evidência de que de fato isso aumente o risco de câncer. Também não vemos nenhum aumento absurdo de neoplasias em usuários crônicos de ranitidina.">
A orientação da Anvisa é que pacientes cujos lotes estão sendo recolhidos procurem seus médicos para avaliar a substituição do tratamento, mas não interrompam o uso do remédio em caso de necessidade até que haja nova orientação médica.>
Barbuti diz que há outras alternativas disponíveis à ranitidina, cuja função é diminuir o ácido pelo estômago. >
"A diferença da ranitidina para o omeprazol é que ela é menos potente e um remédio mais antigo. Também é um remédio até certo ponto bastante seguro, mas que não costuma ser usado a longo prazo porque costuma perder potência, e é preciso aumentar a dose", afirma.>
Para ele, é preciso aguardar mais informações sobre o caso. "A grande dúvida é se isso ocorre só em determinados lotes ou se isso aparece inerente no processo de fabricação da ranitidina", diz.>
O QUE DIZEM AS EMPRESAS>
Em nota, a Medley diz ter iniciado de forma preventiva o recolhimento voluntário de lotes de Ranitidina 150 mg e 300 mg devido à possibilidade de contaminação por impureza de nitrosamina. >
"Se você identificar que possui produto de algum dos lotes citados, pedimos que entre em contato com o SAC da Medley através do telefone 0800 7298 000, de segunda-feira a sexta-feira, das 9h às 17h. Em caso de dúvidas sobre o tratamento, entre em contato com o seu médico", informa a empresa.>
O laboratório Aché diz que "segue rigorosamente todas as solicitações da Anvisa, inclusive a recomendação sobre o controle das nitrosaminas e que acompanha as discussões internacionais e nacionais que têm sido feitas sobre o tema". >
Por causa disso, afirma que protocolou preventivamente o recolhimento voluntário dos produtos Label comprimidos, Label xarope e seus respectivos genéricos de cloridrato de ranitidina. >
A empresa diz ainda que suspendeu a fabricação e comercialização de todos os produtos à base de ranitidina em dezembro. O contato em caso de dúvidas de clientes é o 08007016900 e [email protected].>
O grupo NC, que responde pelas empresas EMS, Legrand, Nova Química e Germed, informa que já havia iniciado o recolhimento voluntário de lotes do cloridrato de ranitidina desde 29 de outubro de 2019. >
Consumidores que tiverem dúvidas podem ligar para o número 0800-191914, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.>
Já a Hipolabor informa que o medicamento Ranitidina deixou de ser fabricado há cerca de dois anos e que o recolhimento se refere a um lote remanescente, com data de vencimento em fevereiro de 2020. Diz ainda ter notificado hospitais e postos de saúde sobre o caso. O produto não está no mercado.>
Uma das quatro empresas que tiveram lotes suspensos de forma preventiva por falta de dados, a Medquímica informou ter interrompido a produção das apresentações dos medicamentos cloridrato de ranitidina 150 mg e Ranitil 150 mg após notícias apontarem a possibilidade de presença de nitrosaminas no insumo usado nesse processo. A medida ocorreu ainda em setembro de 2019, informa. >
Também afirma ter bloqueado os estoques internos nos meses seguintes para análise de possível presença de nitrosamina nos produtos. >
"Caso a empresa identifique qualquer tipo de risco concreto para os consumidores, a Medquímica informará imediatamente a Anvisa", completa.>
Já a Farmace disse apenas que está seguindo as determinações e orientações da agência. >
A reportagem também procurou as empresas Geolab e Hypofarma nesta sexta para falar sobre a interdição preventiva, mas não recebeu resposta até o momento. >
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