Publicado em 31 de outubro de 2019 às 07:14
A radicalização proposta pelo entorno ideológico do presidente Jair Bolsonaro (PSL) é hoje a maior fonte de preocupação institucional na cúpula das Forças Armadas.>
Oficiais-generais da ativa, das três Forças, dizem não haver apoio generalizado a eventuais aventuras repressivas sugeridas pelo grupo.>
Os dois mais recentes episódios, envolvendo a publicação do "vídeo das hienas" contra o Supremo Tribunal Federal e a reação à reportagem sobre movimentações de acusados de matar Marielle Franco no condomínio de Bolsonaro, geraram o que um oficial-general definiu como "alta ansiedade".>
O alerta vem circulando desde que o bolsonarismo encampou o discurso de que os protestos no Chile e Equador, a volta do peronismo na Argentina e até o derramamento de óleo no Nordeste fazem parte de uma trama da esquerda que precisa ser combatida.>
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As teorias conspiratórias chegaram não só aos usualmente falantes filhos presidenciais Carlos e Eduardo, mas também ao general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).>
Influenciado, Bolsonaro emulou o entorno ideológico e sugeriu que convocaria as Forças Armadas caso houvesse um contágio dos protestos chilenos em ruas brasileiras.>
Na sequência, publicou o infame vídeo em que hienas representando o Supremo, a OAB, órgãos de mídia e adversários amorfos como o feminismo, ameaçam o leão personificando o presidente.>
Aqui ficou evidente a pressão do grupo ideológico, discípulo do escritor Olavo de Carvalho. Bolsonaro recuou e pediu desculpas ao Supremo, e só a ele, pelo vídeo.>
Mas seu assessor internacional, Filipe Martins, redobrou a crítica depois da retratação, e não foi repreendido por isso.>
Na noite de terça (29), foi a vez do vereador carioca Carlos (PSC) complicar a narrativa presidencial de que a postagem era problema de terceiros com acesso às suas contas.>
No Twitter, o filho quis defender o pai de críticas, mas acabou o contradizendo ao sublinhar que a postagem havia sido feita por Bolsonaro.>
Havia um objetivo não declarado, que era o de tirar a atenção sobre as ameaças feitas por Fabrício Queiroz, o antigo faz-tudo do clã que levou a investigações sobre seu último chefe na família, o hoje senador Flávio (PSL-RJ).>
Com a revelação do próprio presidente de que já sabia do caso envolvendo a vereadora executada com seu motorista em 2018, feita nesta quarta (30), a tática ficou clara.>
Antes de o Jornal Nacional veicular a reportagem sobre o caso Marielle, o deputado Eduardo foi à tribuna da Câmara para sugerir que a história se repetiria caso houvesse protestos ao estilo chileno no Brasil. Foi acusado de defender repressão ditatorial.>
O grau máximo de tensão veio com a "live" do presidente. Demonstrando o que mesmo aliados consideraram uma apoplexia desnecessária, ele fez críticas à Rede Globo e acusou o governador Wilson Witzel pelo relato veiculado.>
Na manhã desta quarta (30), antes de o Ministério Público derrubar o pilar central da suspeita ao dizer que o porteiro do condomínio de Bolsonaro havia mentido sobre o contato de um acusado da morte de Marielle com a casa do então deputado, houve uma modulação da crise.>
Filhos, parlamentares e ministros enfocaram fragilidades do relato, o que com o aval da Promotoria deve garantir a vitória bolsonarista na guerra de versões no momento.>
Destoou do processo e manteve o tom conspiratório Heleno. "Tentam criar fato político que desestabilize o país e fomente violentas manifestações, como as que ocorrem em outros países da América Latina", comentou no Twitter.>
Há elementos nas Forças Armadas, notadamente no Exército, que compartilham de tal visão. Ela não é majoritária em instâncias como o Alto-Comando da Força terrestre e é francamente minoritária na Marinha e na Força Aérea.>
Chamou a atenção o posicionamento espontâneo do vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), que descartou a gravidade do episódio --assegurando, ao mesmo tempo, que ele prejudica "o serviço".>
Mantido à distância por Bolsonaro e seus filhos, após vários episódios em que se mostrou ostensivamente como ator político mais racional no Planalto, Mourão agora faz um jogo de observação.>
Ele não é exatamente querido na ativa do Exército, mas é sempre lembrado em conversas nas quais riscos de ruptura institucionais são mencionados, como "a nossa saída constitucional" --afinal, teve os mesmos votos de Bolsonaro.>
A relação dos militares com Bolsonaro, um capitão com histórico de indisciplina reformado, é complexa.>
Diversos quadros, especialmente da reserva, migraram para o serviço civil, incluindo 8 de 22 ministros. Após diversas crises com olavistas, a ativa afastou-se preventivamente do governo, enfatizando seu caráter de ente de Estado.>
Um dos que integram o governo é o influente ex-comandante do Exército, general Villas Bôas. Mas seu poder é declinante: a postagem pressionando o STF na véspera da votação da questão da prisão em segunda instância surtiu críticas, enquanto medida semelhante em 2018 foi vista como gesto de autoridade.>
Parte disso diz respeito a Lula, que poderia sair beneficiado nos dois episódios. Villas Bôas sugeriu risco à paz social, mas o fato é que tanto no governo, quanto na ativa, militares já "precificaram" eventual libertação do petista.>
Bolsonaro e seu entorno torcem pela libertação de Lula, pois isso manteria o clima de polarização do país, teoricamente o favorecendo.>
Se o ex-presidente for beneficiado por uma revogação da prisão após duas instâncias e solto nas próximas semanas, já há militares perguntando se o bolsonarismo radical não irá unir todas esses fios narrativos para instigar confrontos de rua.>
Nesse caso, o artigo 142 da Constituição é claro sobre a manutenção da lei e da ordem recair sobre os militares, sob ordens civis. É uma armadilha algo inescapável, caso venha a ocorrer como profecia autorrealizável.>
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