Publicado em 26 de junho de 2020 às 16:37
Pedagoga, militante antirracista, pré-candidata a vereadora pelo PCdoB, moradora da periferia de Salvador, a professora Clarice Pereira dos Santos teve a história de luta interrompida na última segunda-feira (22), aos 59 anos, como mais uma vítima da Covid-19 no Brasil. >
Professora Clarice, como era conhecida na comunidade do Vale das Pedrinhas, onde passou a vida, morreu no Hospital Português. Foram apenas seis dias de intervalo desde a data em que recebeu o resultado positivo do teste para a Covid-19, dia 16 passado, até a última segunda-feira.>
A iniciativa de fazer o exame partiu depois que o marido da professora, Valdir Campos Estrela, havia recebido o diagnóstico da doença, conta a diretora de assuntos jurídicos da secção baiana da Associação dos Professores Licenciados do Brasil (APLB-Sindicato), Marilene Bretos.>
Segundo a dirigente, Clarice tinha se queixado apenas de um pequeno mal-estar, acompanhado de dores na garganta. Permaneceu em quarentena em casa, mas o quadro evoluiu para perda de apetite, febre e falta de ar.>
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Foi levada para a emergência da unidade hospitalar no sábado passado (20), onde já chegou com quadro de pneumonia e com as funções renais comprometidas, mas consciente. No dia seguinte (21), foi encaminhada para a UTI, onde passou as últimas 24 horas de vida.>
"Isso nos pegou a todos de surpresa, porque, no domingo (21), a médica nos disse que ela havia reagido bem às medicações", lembra Betros. "Ainda na segunda, ela mandava mensagens, dizia que estava bem, que sairia bem bonita do hospital", emocionou-se a colega.>
Betros recorda que a aflição de todos que faziam parte do círculo de Clarice começou na tarde da segunda-feira (22), com a demora na divulgação do boletim médico. "Às 23h, quando o hospital fez contato com a família, já foi para pedir que levassem os documentos dela", lamentou.>
Ao longo de sua trajetória, Clarice, como ela mesma descreveu em apresentação na rede social Facebook, no último 5 de junho, atuou 35 anos como professora das redes públicas estadual e municipal, sempre na mesma comunidade onde nasceu.>
No ano de 1982, iniciou a militância política com a filiação do PCdoB, ainda considerado clandestino pela então ditadura militar. Também foi uma das fundadoras do primeiro núcleo da União de Negros Pela Igualdade (Unegro) na comunidade onde morava.>
Três anos depois, em 1985, passou a fazer parte da APLB-Sindicato, entidade da qual foi uma das diretoras até os últimos dias de vida. Foi candidata a vereadora na capital baiana nos pleitos municipais de 2008, 2012 e 2016.>
"Como mulher negra, de origem pobre, Clarice sempre pautou sua vida na luta pelo desenvolvimento das pessoas. Era comprometida não só com os alunos mas com as famílias deles e com a comunidade", descreve a dirigente.>
Ainda no primeiro mês de isolamento social, Clarice divulgou um vídeo na rede social Instagram, no qual chamava a atenção dos seguidores sobre a necessidade de respeitarem as medidas de distanciamento, sobretudo nos bairros da periferia de Salvador.>
"Estou muito preocupada ao ver pessoas jogando dominó, fazendo churrasco, conversando na rua, bebendo cerveja. Estamos chegando a um dos estágios mais graves. Gente, vamos evitar sair, vamos usar as máscaras", clamou ainda no dia 15 de abril passado.>
A notícia da morte de Clarice repercutiu na imprensa local, entre colegas, comunidade, entidades representativas de classe e nas secretarias municipal e estadual de educação, que divulgaram notas de lamento sobre o falecimento da professora.>
"Em nome da secretaria, expresso nossas condolências", disse o secretário municipal de educação, Bruno Barral. "A professora Clarice deixa a sua contribuição como educadora, na militância sindical e no combate ao racismo", diz a nota da Secretaria de Educação do Estado.>
Professora Clarice foi cremada no cemitério Campo Santo às 14h da última terça-feira (23), em cerimônia reservada. Sem filhos, Clarice deixou o marido Valdir, além de outros familiares.>
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