Publicado em 27 de abril de 2020 às 08:48
Se por um lado idosos e pessoas com doenças crônicas são as maiores vítimas do novo coronavírus, as mortes de adultos mais jovens ou entre pessoas sem registro de fatores de risco avançam no Brasil.>
Embora representem uma parcela menor, a quantidade de óbitos pela doença entre homens e mulheres com menos de 60 anos cresceu cerca de 64 vezes em um intervalo de menos de um mês.>
No mesmo período, as mortes entre aqueles com mais de 60 anos aumentaram aproximadamente em 18 vezes.>
A análise foi feita pela reportagem em dados do Ministério da Saúde.>
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No fim de março, quando a pasta começou a divulgar um detalhamento das mortes, 89% delas eram de idosos. Em menos de um mês, o percentual caiu para 72%.>
O balanço de março mostrava ainda que 85% das pessoas que tiveram as mortes por Covid-19 analisadas tinham registro de ao menos uma doença prévia ou outra condição de risco conhecida.>
Na última segunda (20), esse número chegava a 70%.>
Desde então, com a troca no comando da pasta, o ministério suspendeu a divulgação de balanços completos com esses dados.>
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam diferentes fatores para essa mudança no perfil das mortes.>
Um deles é o fato de que a população brasileira é majoritariamente mais jovem em comparação a países europeus, por exemplo.>
"O Brasil tem um núcleo majoritário de pessoas que estão entre a segunda e a quarta década de vida. Era natural e esperado que a doença, ao alcançar um patamar de transmissão acelerada, alcançasse esse grupo da população", afirma a pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e uma das principais especialistas na linha de frente do combate à Covid-19.>
Para ela, a epidemia rejuvenesceu no Brasil na medida em que começou a migrar de áreas mais ricas, onde foram registrados os primeiros casos, também para áreas mais pobres, onde há mais jovens e problemas de assistência são mais visíveis.>
Margareth Dalcolmo
Pneumologista"A doença tem um vetor de crescimento para comunidades menos favorecidas. Nessas áreas de concentração urbana, de muita densidade demográfica, tem muitos jovens", diz. >
"A doença é democrática, no sentido de que atinge qualquer um. Ninguém precisa ter diferença de idade para isso", afirma. >
Ela lembra, porém, que o risco de gravidade e complicações ainda é mais alto em idosos e pessoas com doenças crônicas prévias. >
Entre idosos, as principais são cardiopatia e diabetes. Já entre os mais jovens, aparecem asma e obesidade. >
Mas o que explica o fato de haver mortes por coronavírus em pessoas sem registro desses fatores? >
"Podemos ter, por exemplo, a ocorrência de uma suscetibilidade individual que nunca foi observada", diz a médica Fátima Marinho, do Instituto de Estudos Avançados da USP. >
É o caso de doenças autoimunes, ou outras em que há frequentemente atraso no diagnóstico ou ficam de forma latente, com manifestação tardia. >
"E não se sabe como receberiam um vírus como esse", afirma Marinho, que lembra que o novo coronavírus chama a atenção por causar pneumonias graves e ser mais agressivo em comparação a outros vírus respiratórios mais comuns. >
Para Luciano Goldani, professor de infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o aumento de mortes entre mais jovens impressiona. >
"Uma hipótese são comorbidades escondidas, porque temos uma radiografia maior dos problemas em população mais idosa. Jovens fazem menos exames, então é difícil analisar se são isentos de comorbidades. Há também questões genéticas que precisam ser estudadas", afirma. >
O médico infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia Leonardo Weissmann coloca como hipóteses uma suscetibilidade genética ou mesmo uma maior exposição ao vírus. >
Weissmann também menciona o fenômeno conhecido como tempestade de citocina, ainda pouco explicado, que pode se dar quando o corpo combate agentes infecciosos. >
Uma possível reação a esse quadro leva a uma ativação excessiva do sistema imunológico, com fortes consequências para o paciente. "Pode atacar vários órgãos e levar à morte", afirma. >
Um outro fator apontado é a obesidade. >
Atualmente, 56% dos brasileiros estão com excesso de peso e 18% são obesos, grupo que tem se mostrado mais vulnerável à Covid-19, de acordo com Mário Carra, da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade (Abeso). >
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, é preciso considerar ainda a subnotificação nos registros gerada pela baixa oferta de testes, o que afeta a análise da mortalidade, e diferenças no modelo de registros. >
Um deles é a possibilidade de falhas no preenchimento dos dados completos sobre comorbidades em alguns municípios. >
Ao mesmo tempo, de acordo com Marinho, da USP, pode haver casos em que o registro da morte ocorreu como infarto, mas análises posteriores confirmaram também uma infecção pelo vírus Sars-CoV-2 sem que isso estivesse incluído na notificação. >
Questionado sobre os fatores que levam ao aumento no índice de mortes em alguns grupos, o Ministério da Saúde não respondeu. >
Recentemente, o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, apontou a possibilidade de que a ocorrência de mortes em pessoas sem fator de risco conhecido esteja ligada a uma possível coinfecção por outros vírus respiratórios. A hipótese, porém, ainda precisaria ser confirmada. >
Jailson Correia
Secretário municipal de Saúde do RecifeNo Recife, um caso que chamou a atenção foi a morte de um bebê de sete meses, faixa etária que inicialmente estaria fora de complicações. >
A criança, no entanto, tinha uma cardiopatia grave, o que pode ter agravado o quadro. >
"O vírus parece poupar em maioria as crianças sem comorbidades, e é muito raro ter mortes nessa faixa etária. No adulto jovem o risco individual é menor, mas ele existe. A verdade é que, quanto maior o número de casos, mais vamos vendo escapes à regra", afirma o secretário municipal de Saúde do Recife, Jailson Correia. >
Dados divulgados pelos estados também indicam especificidades locais. >
Em São Paulo, 75,8% das mortes ocorreram entre idosos, segundo dados do governo estadual. Já no Rio Grande do Sul, esse índice é de 83% acima da média do país. >
A pirâmide etária do estado fornece algumas explicações. "A população idosa do Rio Grande do Sul é proporcionalmente a maior do país, um perfil parecido com o da Itália", diz Goldani, da UFRGS. >
Por causa dessa semelhança, afirma, houve um receio de que a situação do país se repetisse, o que fez o estado ser um dos primeiros a implementar uma política de distanciamento mais rígida. >
O mesmo foi feito em outras regiões que, no entanto, avaliam agora uma flexibilização, em meio a pressão do governo federal. >
Para Margareth Dalcolmo, o aumento de mortes entre pessoas mais jovens mostra riscos em alterar a política de isolamento social. >
"Se flexibilizarmos agora, em um momento em que a epidemia está em franca ascensão, vamos pagar um preço humanitário de mortes evitáveis." >
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