Publicado em 8 de junho de 2020 às 08:57
O atraso do governo na divulgação de estatísticas da Covid-19 e a sonegação de informações sobre os dados da doença no Brasil podem configurar ato de improbidade administrativa e até a prática de crime de responsabilidade por Jair Bolsonaro, afirmam a ONG Transparência Brasil, especialistas e partidos políticos de oposição. >
Depois de o país bater recorde na quantidade diária de mortes pela doença, o governo restringiu os números e anunciou a revisão da metodologia usada para compilar mortos, infectados e curados.>
Após forte reação de especialistas, políticos e integrantes do Judiciário, o Ministério da Saúde recuou e distribuiu uma nota à imprensa na noite deste domingo (7) afirmando que está finalizando plataforma com os dados do Brasil, estados, capitais e regiões metropolitanas, "com os respectivos gráficos de evolução diária dos novos registros".>
A pasta promete colocar no ar, nos próximos dias, uma página interativa. "Assim, será possível acompanhar com maior precisão a dinâmica da doença no país e ajustar as ações do poder público diante a cada momento da resposta brasileira à doença.">
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O Brasil registrou 904 novas vítimas no sábado (6). O total de mortes é de 35.930, segundo o Ministério da Saúde. O número de infectados também cresceu, passando de 645.771 para 672.846 casos.>
O governo havia anunciado que pretendia divulgar somente as mortes ocorridas nas 24 horas anteriores e não mais o total de óbitos acumulados, o que poderia levar à situação de mortes ocorridas em outras datas, com confirmação posterior, não serem mais contadas pelo governo.>
Essas medidas têm potencial para violar os princípios constitucionais da impessoalidade, da publicidade e da eficiência. A Transparência Brasil alerta para transgressão ao artigo 5º da Constituição, que prevê as garantias individuais dos cidadãos e estabelece que "todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo geral".>
Bolsonaro pode responder por violar a Lei de Acesso à Informação, a Lei de Medidas a Emergência em Saúde e ser enquadrado na Lei de Improbidade Administrativa.>
Desde sexta-feira (5), o Ministério da Saúde não informa mais o total de casos confirmados da Covid-19. O número de casos suspeitos, mas ainda em investigação, também deixou de ser divulgado.>
Em nota republicada por Bolsonaro em rede social, o ministério afirmou o modelo anterior não retratava o "momento do país", além de não indicar que a maior parcela dos infectados já não está mais com a doença.>
O PC do B, o PSOL e Rede apresentaram ação ao Supremo Tribunal Federal em que alegam violação aos direitos fundamentais à vida e à saúde.>
"O que sobra do núcleo fundamental do direito social à saúde se o próprio mandatário primeiro do governo federal parece brincar com a saúde da população brasileira, ao esconder dados da pandemia? Com a devida vênia, parece que nada. Ou seja, o Estado está afastando por completo o direito à saúde da população do Brasil por questões de convicção meramente pessoal e, diga-se, irracional", afirmam as siglas.>
A Lei de Acesso à Informação estabelece como obrigação do Estado promover, "independentemente de requerimento, a divulgação em local de fácil acesso de informações de interesse coletivo ou geral".>
A Transparência Brasil também afirma que Bolsonaro não respeita nem lei sancionada por ele mesmo para disciplinar medidas de enfrentamento ao novo coronavírus.>
A norma publicada em 6 de fevereiro determina que o "Ministério da Saúde manterá dados públicos e atualizados sobre os casos confirmados, suspeitos e em investigação, relativos à situação de emergência pública sanitária, resguardando o direito ao sigilo das informações pessoais".>
A entidade ainda alerta que o chefe do Executivo deve responder pelo dispositivo da Lei da Improbidade Administrativa que prevê punição a quem negar publicidade a atos oficiais ou retardar algum ato legal.>
O professor e doutor em Direito Constitucional Ademar Borges salienta que é impossível o controle social de políticas públicas previsto na Constituição quando há omissão de "dados relevantíssimos".>
"A configuração desses fatos como improbidade é até conservadora. A questão pode chegar até ao âmbito penal caso haja uma determinação judicial clara para fornecimento de dados desrespeitada. Nessa situação, haveria risco de cometimento de crime de desobediência", analisa.>
Borges avalia que Bolsonaro pode responder, também, por crime de responsabilidade. "O envolvimento pessoal e doloso do presidente em orientar essa violação à lei em relação aos números é uma hipótese. Além disso, quando menos, o atual cenário já pode configurar violação a uma série de direitos fundamentais, e a violação desses direitos já é uma das modalidades de crime de responsabilidade", diz.>
O professor afirma, ainda, que a omissão de dados é uma das principais características de regimes autoritários. A omissão de dados também torna incoerente a crítica de integrantes do atual governo a regimes autoritários de esquerda, segundo Borges.>
"Tradicionalmente aqui no Brasil os partidos de centro e de centro-direita fazem uma crítica justíssima a regime autoritário na Venezuela em relação ao fato de que informações de interesse público são omitidas ou manipuladas.">
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