Publicado em 15 de julho de 2020 às 15:15
Apesar das diversas mudanças em sua formação desde que foi criada, em julho de 2017, a Lava Jato de São Paulo sempre teve como principal linha de investigação suspeitas de irregularidades que aconteceram, de forma mais intensa, na gestão do ex-governador José Serra (PSDB).>
O tucano é senador desde 2014 e governou o estado entre 2007 e 2010, ano em que renunciou ao cargo para disputar a Presidência da República.>
Esse período de três anos e meio é relacionado à ascensão de Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, na Dersa, estatal responsável pelas principais obras viárias do estado.>
Desde que a Lava Jato paulista foi criada, Paulo Preto e outros auxiliares do governo Serra foram denunciados, mas o governador ficou de fora das investigações por uma série de impedimentos que incluem decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).>
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No último dia 3, no entanto, o Ministério Público Federal acusou o ex-governador de lavagem de dinheiro, em uma denúncia que usa como contexto as investigações que a Procuradoria tocou nesses últimos anos sobre a gestão.>
Serra nega ter cometido qualquer irregularidade e diz que a acusação é ilegal e busca constrangê-lo. A denúncia ainda tem de passar pelo crivo da Justiça Federal, que irá analisar se transforma ou não hoje senador em réu.>
No governo Serra, Paulo Preto ocupou na Dersa os cargos de diretor de Relações Institucionais e, em seguida, de diretor de Engenharia.>
Segundo as investigações, ele conseguiu, por um lado, reduzir o valor de contratos do Rodoanel, mas sob promessas de beneficiar as empresas em outros contratos. Ao mesmo tempo, cobrou propina, que seria destinada a políticos do PSDB, de 0,75% sobre as medições da obra.>
Sua atuação foi marcada por decreto editado por Serra, no início da sua gestão, que determinou a reavaliação das licitações vigentes. Nesse período, o ex-diretor fez uma série de reuniões com os consórcios que ganharam a licitação do trecho sul do Rodoanel.>
Em uma delas, diz uma denúncia da Lava Jato paulista de 2018, Paulo Preto "informou que a Dersa seria responsável pela licitação das várias obras municipais" e "deixou claro que, se as empresas 'não tivessem boa vontade na renegociação dos contratos, ele [Paulo] não teria boa vontade com as empresas no novo pacote de obras'".>
Na denúncia contra Serra, a Procuradoria diz que, entre outros motivos, empresas transferiram recursos para contas ligadas ao político para "minorar o impacto desses decretos" e também para "o não oferecimento de dificuldades no curso da execução da mesma obra".>
Só a Odebrecht, diz a denúncia contra Serra, pagou ao tucano "cerca de R$ 4,5 milhões entre 2006 e 2007, supostamente para fazer frente a gastos de suas campanhas no governo do estado de São Paulo, e cerca de R$ 23,3 milhões entre 2009 e 2010, em contrapartida à liberação de créditos havidos junto à Dersa, no valor total atualizado de R$ 191.590.000,00".>
Parte delas aponta suspeitas de irregularidades em períodos anteriores e posteriores ao governo Serra, mas os relatos estão concentrados principalmente em pagamentos e transferências feitos durante a gestão ou pouco antes da eleição do tucano.>
Há também ações que se relacionam com o governo de São Paulo no período. É o caso da denúncia de corrupção oriunda da delação do ex-diretor do Metrô Sérgio Brasil, apresentada em agosto do ano passado. As supostas irregularidades foram de 2004 a 2014.>
Os investigadores também veem como uma continuidade do esquema iniciado por Paulo Preto as suspeitas de fraudes apontadas na Operação Pedra no Caminho, que investigou a obra do trecho norte do Rodoanel. Essas obras foram iniciadas em 2013, na gestão Geraldo Alckmin (PSDB).>
Quando a Lava Jato de São Paulo foi formada, as regras a respeito do foro especial eram mais amplas, e Serra, que é senador, não poderia ser investigado na primeira instância.>
As condutas apontadas nas delações, porém, dizem respeito ao período em que ele estava na Prefeitura de São Paulo ou no governo paulista.>
As apurações eram tocadas no âmbito do Supremo, junto a fatos que ligavam o ex-governador a Paulo Preto.>
Em maio de 2018, o Supremo restringiu o foro especial, e as investigações sobre o tucano puderam voltar para São Paulo. No entanto, a decisão sobre o encaminhamento dos autos só foi tomada em agosto, e ainda assim, foi decidido que eles iriam para a Justiça Eleitoral.>
À época, a turma do STF também decidiu, por 4 votos a 1, que fatos anteriores a agosto de 2010 investigados nesse inquérito prescreveram em relação a Serra. Conforme o voto do ministro Gilmar Mendes, como Serra tinha mais de 70 anos (hoje ele tem 78), eventuais crimes atribuídos a ele nessa época estavam prescritos.>
Só agora, em 2020, o Ministério Público Federal concluiu uma denúncia que encontrou saída para acusar o ex-governador sem desrespeitar a decisão do STF: a partir de uma movimentação bancária feita em 2014 em uma conta atribuída à filha de Serra, os procuradores entenderam que o tucano praticou lavagem de dinheiro.>
A acusação foi criticada pela defesa do senador, que dizia que a questão é de responsabilidade da Justiça Eleitoral.>
Em resposta, os procuradores afirmaram em adendo à denúncia que não há "quaisquer indicativos de que tais montantes de propina tenham sido efetivamente aplicados em campanhas", porque os valores foram "mantidos externalizados por período que prolongou-se muito além do término dos períodos eleitorais".>
Atualmente, Paulo Preto está em prisão domiciliar e nega ter cometido qualquer irregularidade.>
No último dia 3, quando foi denunciado e também foi alvo de busca e apreensão, Serra afirmou por meio de nota que houve "busca e apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o que comprova falta de urgência e de lastro probatório da acusação".>
"É lamentável que medidas invasivas e agressivas como a de hoje sejam feitas sem o respeito à lei e à decisão já tomada no caso pela Suprema Corte, em movimento ilegal que busca constranger e expor um senador da República.">
"O senador José Serra reforça a licitude dos seus atos e a integridade que sempre permeou sua vida pública. Ele mantém sua confiança na Justiça brasileira, esperando que os fatos sejam esclarecidos e as arbitrariedades cometidas devidamente apuradas", acrescentou.>
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