Publicado em 28 de novembro de 2025 às 08:58
"Não existe local pior para operar do que os complexos do Alemão e da Penha, talvez o local mais hostil para se operar no Brasil". A fala é do delegado André Neves, diretor das delegacias especializadas, em depoimento à Promotoria que apura a operação ocorrida há um mês, que deixou 122 pessoas mortas. Dessas, cinco eram policiais. Outros 14 foram baleados. >
Ainda nas palavras do investigador, os dois complexos, localizados na zona norte do Rio de Janeiro, são o "coração do Comando Vermelho". Situação muito diferente daquela de 15 anos atrás, quando, em novembro de 2010, as polícias e as Forças Armadas entraram nos conglomerados de favelas sem grandes dificuldades e os criminosos fugiram pela mata ou se entregaram.>
De acordo com especialistas, não há uma resposta simples para explicar por que as duas regiões interligadas pela serra da Misericórdia se tornaram um terreno tão difícil de operar, a ponto de uma ação se estender por 17 horas de tiroteios ininterruptos, como ocorreu no último 28 de outubro na operação Contenção.>
A ocupação do Alemão, em 2010, é um ponto de partida para essa explicação, já que marcou também o símbolo do principal projeto político da época: as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). O projeto ruiu, envolvido por críticas de que se transformou em plataforma política, careceu de programas sociais e se mostrou economicamente insustentável.>
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"O governo do estado à época exigiu uma superextensão do programa, além da capacidade efetiva que a Polícia Militar poderia implantar, para fins político-eleitorais. Ou seja, obrigou a polícia a dar um passo maior do que as pernas", aponta o analista de segurança Alessandro Visacro.>
Um dos efeitos das UPPs foi a migração de membros desses grupos armados para regiões que, até então, não tinham nem sequer fuzis, como o interior do estado e a região dos Lagos. Ao mesmo tempo, nessas localidades, a facção passou a adotar práticas semelhantes às de milícias na exploração do território.>
"A realidade atual é que ambos os grupos buscam fomentar ainda mais a dominação territorial para exercer ali as mesmas práticas e, cada um a seu modo, angariar a maior quantidade de lucro possível", afirma o promotor Fabio Gouvêa.>
Segundo ele, é possível também observar um "projeto expansionista" da principal facção de tráfico de drogas do Rio de Janeiro para outras localidades do Brasil. Fortalecido economicamente, o Comando Vermelho comprou mais armas, algumas do mesmo modelo das usadas pelo Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais): o AR-10, o fuzil mais moderno das forças, utilizado somente por atiradores de elite.>
Segundo relatório de inteligência da Polícia Civil, estimativas de 2023 indicavam que o CV possuía, nesses dois complexos, 926 fuzis e 1.236 pistolas. Ainda de acordo com a corporação, as duas comunidades seriam centros de comando, tomada de decisão e treinamento tático. Sobre o controle do território, em 2017, quando as UPPs passaram a ser subordinadas aos batalhões, um relatório da Polícia Militar apontava que o patrulhamento nas ruas do Alemão e da Penha se limitava a cerca de 15% desses regiões. O restante era área vermelha, indicando alto potencial de confrontos.>
Em 2019, com o surgimento da ADPF 635, que estabeleceu diretrizes para reduzir a letalidade policial nas comunidades, o governo estadual passou a atribuir o fortalecimento do tráfico à medida imposta pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Com a exigência de excepcionalidade, menos operações foram realizadas, por exemplo. Mesmo assim, segundo dados da Promotoria, de junho de 2020 a janeiro deste ano, as polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro comunicaram a realização de cerca de 4.600 operações em comunidades, uma média de três por dia.>
Para Visacro, foi no período da pandemia, aliado à ADPF, que o tráfico fortaleceu as barricadas. De carros, pneus e lixo, passaram a usar grandes vigas, algumas eletrificadas. "A despeito de algum benefício que ela [ADPF] possa ter trazido, o fato é que contribuiu para a consolidação do controle territorial dos grupos armados dentro de seus enclaves", analisa. Outro aspecto, citado por uma policial civil, é cultural. O Comando Vermelho tem a crueldade como régua, segundo um investigador que apura grupos armados. Traficantes que se recusam a atirar em policiais são mortos, ele afirma.>
Edgar Alves, o Doca, líder da Penha aos 55 anos, é visto como exemplo. Em sua única prisão, em 2007, resistiu a horas de tiroteios e foi preso só quando sua munição terminou. Já Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, 49, líder do Alemão, fugiu em 2010, assim como na operação ocorrida há um mês. Eles não possuem defesa. Doca e Pezão são ligados ao complexo desde novos e lá fortaleceram a facção, com bailes funks, grafites e lançamento de tendências entre os jovens a mais recente é o tingimento do cabelo de vermelho.>
Segundo a polícia, os dois foram protegidos pelos soldados do tráfico que acabaram mortos. Em 2010, a maioria desses soldados eram crianças e alguns nem tinham nascido. "O confronto com a polícia é um mecanismo de promoção de hierarquia dessas facções criminosas. O mérito desse criminoso é o confronto", afirma Visacro.>
O governo Cláudio Castro (PL) anunciou, em uma de suas frentes, o programa Barricada Zero. O programa prevê a retirada de barricadas e a preparação das comunidades para um plano de retomada de território, que será entregue até o fim do ano.>
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