Publicado em 27 de julho de 2020 às 18:53
Uma pesquisa brasileira publicada no último dia 23 na revista científica Science revelou a evolução do coronavírus a partir de três linhagens distintas que se espalharam pelo país pelas vias aérea e terrestre. >
O estudo foi coordenado pela professora Ester Sabino, da Faculdade de Medicina da USP, em colaboração com pesquisadores da Universidade Oxford e de outras instituições.>
Os pesquisadores sequenciaram amostras coletadas em 85 municípios de 18 estados entre 5 de março a 30 de abril e chegaram a 490 sequências genéticas distintas, que foram comparadas com os diferentes genomas do vírus encontrados no mundo.>
O vírus entrou no país por voos internacionais no final de fevereiro e início de março. Ele é formado por RNA -material genético "primo" do DNA, porém com apenas uma fita- com cerca de 30 mil bases.>
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Foi possível traçar a origem do coronavírus no Brasil a três cepas distintas com sequência genética muito parecida à encontrada no vírus da Europa (28%) e Estados Unidos (6%), e em uma menor porção às linhagens asiáticas.>
O primeiro clado é também o mais abundante no estado de São Paulo (85%) e chegou ao país em 28 de fevereiro. O segundo, mais espalhado por todo o país (34%), possivelmente chegou por via área no Rio de Janeiro em 22 de fevereiro. A última linhagem data do dia 11 de março e é mais comum no Ceará.>
Além disso, foram analisados dados de vigilância epidemiológica, como os novos casos de SRAG (síndrome respiratória aguda grave) e de mobilidade humana para investigar a transmissão do vírus.>
Com isso, os pesquisadores concluíram que o espalhamento do vírus teve início antes mesmo que as medidas de intervenção disponíveis na falta de medicamentos e vacinas, como fechamento de escolas e comércio e imposição de quarentena fossem efetivadas no Brasil.>
Segundo Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury e um dos autores do estudo, o fechamento dos aeroportos para voos internacionais foi pouco efetivo na contenção da doença porque àquela altura já havia uma circulação interna do vírus.>
"Como não houve medidas mais restritivas de isolamento e controle da mobilidade, o vírus continuou se espalhando por via terrestre e aérea, enquanto medidas como isolamento de contaminados e rastreamento de contato teriam ajudado a impedir a disseminação dentro dos estados.">
Os pesquisadores localizaram a origem do vírus que causou a pandemia em Manaus: São Paulo. "A medida de restringir os voos domésticos teria ajudado a impedir essa disseminação", diz Granato.>
Além de identificar as linhagens do coronavírus Sars-CoV-2 presentes no país, os pesquisadores também estimaram a taxa de reprodução do vírus, o R efetivo, relativo a quantas novas pessoas uma pessoa contaminada pode infectar, nas duas maiores cidades: São Paulo e Rio de Janeiro.>
No início da pandemia, o valor R0 era 3, ou seja, cada pessoa infectada contaminava outras três. Entre 21 e 31 de março, logo após o início da quarentena, o valor de R0 era consistentemente abaixo de 1. No entanto, a partir de abril essa taxa passou a subir e atingiu um valor de 1,3 em 4 de maio, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, junto com uma queda na taxa de isolamento de 54% para 47%.>
A velocidade de disseminação do vírus aumentou consideravelmente a partir do mês de maio, quando o país passou a registrar número de óbitos diários acima de mil.>
Para Granato, se a restrição tivesse sido mantida em níveis acima de 60% em todo o país, provavelmente a pandemia não teria atingido as proporções encontradas. "A taxa R tenderia a ficar abaixo de 1 e teríamos conseguido controlar a pandemia. A taxa atual, que varia regionalmente de 0,5 a 1,5, não é péssima, mas poderia ser melhor.">
Outra conclusão importante foi a determinação de duas ondas distintas de transmissão do vírus. Na primeira fase, a disseminação do coronavírus na população era mais local e dentro dos estados. Já a segunda foi caracterizada por uma movimentação do vírus por distâncias mais longas e o crescimento da epidemia em outras regiões que não a Sudeste.>
Ao longo dos seis meses em que a pandemia está em curso no Brasil, a disseminação do vírus foi cinco vezes maior dentro dos estados do que entre os estados. Isso pode explicar, por exemplo, o crescimento acentuado da Covid-19 na Amazônia, onde a pandemia foi mais impactada devido à escassez de serviço de saúde nas cidades ribeirinhas, do que em Santa Catarina.>
O estudo considera como principal conclusão o entendimento de que a pandemia ainda não passou no país e de que não é o momento de afrouxar medidas de proteção.>
"Não podemos baixar a guarda. Mesmo com a reabertura gradual da economia, as pessoas precisam manter a higiene, o distanciamento individual e a proteção por meio do uso de máscaras. Estamos ainda longe de atingir a imunidade de grupo.">
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