Publicado em 27 de julho de 2020 às 07:39
A busca emergencial por maior estrutura na rede de saúde devido a pandemia do novo coronavírus interrompeu, pela primeira vez, uma queda que vinha ocorrendo nos últimos dez anos no total de leitos de internação existentes no SUS. >
Dados de um levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostram que, entre fevereiro e junho deste ano, foram abertos 22.810 leitos de internação na rede pública. Com isso, o total passou de cerca de 294 mil a 317 mil.>
Até então, o Brasil vinha registrando a cada ano uma queda no número desses leitos. Entre janeiro de 2011 e janeiro de 2020, por exemplo, 41 mil deles haviam sido fechados.>
A inversão da curva também fica visível ao observar dados dos primeiros seis meses de 2019 e de período semelhante de anos anteriores, que também apontavam queda.>
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Segundo o CFM, todos os leitos abertos neste ano são de clínica geral, o que indica que podem estar relacionados à epidemia da Covid-19 no país.>
O balanço não engloba o total de leitos de UTI, que também tiveram aumento no período. Até agora, ao menos 11.084 foram habilitados e passaram a ser financiados para uso na rede, de acordo com o Ministério da Saúde.>
Para Hideraldo Cabeça, 1º secretário do CFM, ao trazer nova carga ao sistema, a Covid-19 também evidenciou parte do deficit de estrutura que existia na rede.>
"Já sabíamos dessa deficiência, o que está ligado também a fila de espera por leitos e de procedimentos eletivos. A pandemia veio deixar essa dificuldade existente na saúde de fácil percepção.">
O conselho alerta, porém, para o risco de nova queda no total de leitos em breve.>
Isso ocorre porque, além de uma expansão de leitos em unidades fixas da rede, a epidemia estimulou a abertura de hospitais de campanha, tidos como provisórios --não há dados de quanto eles representam do total.>
"A nossa preocupação é que muitos desses leitos estão em locais onde não é possível mantê-los, como hospitais em ginásios, campos de futebol e centros de convenções", diz.>
Para Cabeça, é preciso avaliar a possibilidade de absorver os leitos onde a expansão ocorreu dentro ou próxima de infraestrutura existente.>
O debate de qual deve ser o destino da nova estrutura criada em meio a pandemia tem ganhado força nos últimos dias, em meio aos primeiros sinais de queda no total de novos casos em algumas regiões.>
Para Gulnar Azevedo, professora de epidemiologia da UERJ, ainda é cedo para fechar leitos, mesmo que provisórios, já que há risco de novas infecções.>
"Ainda estamos em pandemia, que não acabou. Em alguns lugares, vemos uma atenuação do crescimento, de uma curva que tende a estabilizar, mas ainda não podemos dizer que está sob controle", diz Azevedo, que também é presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.>
Ela sugere que parte dos leitos em locais onde há os primeiros sinais de queda de novos casos da Covid seja usada para garantir o atendimento de pacientes após a saída da UTI e daqueles com quadros menos graves, mas que não têm condições adequadas de isolamento em casa e também precisam de monitoramento e cuidados intermediários.>
Ou, ainda, que haja um plano para que a estrutura seja atrelada ao atendimento de pacientes vindos de cidades do interior - dos 22.810 novos leitos, 9.762 estão em capitais.>
Para Cabeça, o ideal é que haja um esforço para que parte dos leitos seja incorporada de acordo com o gargalo de cada região. Ele cita dados que mostram que, nos últimos anos, áreas como obstetrícia e cirurgia geral tiveram maior perda de leitos.>
Outra necessidade é preparar a rede para atendimento de demandas que ficaram represadas em meio a epidemia da Covid-19, caso de cirurgias eletivas, por exemplo.>
À reportagem, secretários estaduais de saúde confirmam a intenção de manter parte dos leitos abertos, mas apontam o financiamento dessa estrutura como desafio.>
"Há uma discussão sobre como construir um legado após a pandemia para o sistema de saúde, mas o financiamento é sempre um problema", afirma o secretário de saúde do Maranhão e presidente do Conass, conselho que reúne gestores estaduais de saúde, Carlos Lula.>
O tema deve ser discutido em reunião com os 27 secretários estaduais de saúde nesta semana.>
Dados do levantamento feito pelo CFM mostram SP, Pernambuco e MG como os estados que abriram a maior quantidade de leitos em números absolutos.>
Já em proporção à população, o maior aumento foi em Roraima, Sergipe e Amapá.>
Só em São Paulo, foram criados 5.000 leitos de enfermaria. Também foram abertos outros 4.500 de terapia intensiva, de acordo com a secretaria estadual de saúde.>
Destes últimos, apenas 2.500 foram habilitados pelo ministério. Os demais ainda aguardam resposta, diz a pasta, que reforça o pedido por "apoio no custeio da assistência".>
Questionada sobre a possibilidade de manter os novos leitos após a pandemia, a secretaria não respondeu. Diz apenas que "mantém o compromisso de garantir assistência e aprimorar a rede, com base em critérios técnicos e nas necessidades da população.">
Em nota, o Ministério da Saúde informou que, diante da pandemia por Covid-19, habilitou 11.084 leitos de UTI, com investimento de R$ 1,5 bilhão. A pasta não informou o total de leitos de internação clínicos abertos no período.>
Sobre os planos de absorção dos novos leitos, o ministério afirma que a manutenção será discutida com gestores estaduais e municipais de saúde após o período de emergência.>
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