Publicado em 25 de junho de 2020 às 16:29
O humor do brasileiro azedou diante da pandemia. Com o distanciamento social, praticado em diversos países ao redor do mundo, vieram mudanças de hábito e alterações profundas de rotina que se refletem nos mais variados aspectos do dia a dia -um deles é a música. >
Pessoas deixaram de ouvir discos inteiros ou playlists a caminho do trabalho, a fome por informação aumentou o acesso a podcasts e o consumo de música ambiente -usada para relaxamento- e até das infantis cresceu nesses meses.>
Entre os sucessos, as canções mais tocadas no país, a mudança foi de ânimo. Menos hits dançantes chegaram ao topo das paradas, e uma tristeza suave foi tomando conta das listas de mais tocadas.>
Um levantamento feito pela reportagem, analisando as músicas que chegaram ao Top 200 do Spotify em 34 países, mostra que o Brasil é onde a variação de tristeza foi maior desde o começo da quarentena. Na prática, a lista de mais tocadas do país foi a que mais entristeceu neste período.>
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A métrica usada para medir a tristeza das músicas é a valência, que identifica por algoritmos traços melódicos das canções para classificar as faixas como mais ou menos felizes.>
Além dos lançamentos de novos discos, nacionais e internacionais, o Top 200 do Brasil viu a ascensão de músicas pouco ou muito antigas e continua refletindo o sucesso de hits lançados entre o fim do ano passado e o começo deste.>
Isso porque a quantidade de vezes que os hits da lista de mais tocadas foram ouvidos diminuiu consideravelmente com o começo da quarentena, o que significa que os ouvintes procuraram menos por novidade, enquanto canções que já eram sucesso conseguiram se manter em alta -ainda que com menos plays que antes.>
Essas são as músicas com maior valência do Top 200, como os hits dos Barões da Pisadinha (como "Chupadinha" e "Tá Rochedo"), que fazem um tipo sintético e moderno de forró, músicas que tocaram muito no Carnaval (os bregafunks "Tudo OK", "Hit Contagiante" e "Amor de Que", de Pabllo Vittar) e sucessos do funk rave (como "Rave Jogando o L", com DJ Piu e MC GW) e do sertanejo ( "Cem Mil", de Gusttavo Lima, e "Bebaça", de Marília Mendonça).>
Quem mais perde com a impossibilidade de aglomerações é a música pop e o funk, em geral responsáveis pelas músicas de maior valência. Esses gêneros dependem não só de festas e shows, mas da audição coletiva, seja nos paredões e carros de som ou nos encontros para dançar.>
Poucas novas músicas desses estilos conseguiram sucesso consistente na pandemia. No funk, entre as exceções estão "Vai, Luan, Rainha dos Faixa Preta", dos MCs Moana e Brunyn, e "Na Rapa Toma Tapão", sucesso improvável do MC Niack que foi do TikTok direto para o topo do Spotify. Ainda assim, funks melódicos fizeram sucesso, como "Tudo Aconteceu" e "50 Tons", ambas do MC Du Black.>
No pop, Pabllo Vittar emplacou diversas faixas no Top 200, mas também puxou o humor para baixo com músicas mais dramáticas como "Salvaje" e "Ponte Perra". Duas faixas menos entusiasmadas de Alok também ascenderam, "Hear Me Tonight" e "Symphonia".>
Uma música temática da quarentena, "Me Conta da Tua Janela", singelo pop de violão do Anavitória, foi bastante ouvida, assim como outras faixas da dupla. É o mesmo caso de "Você pra Sempre em Mim", a nova -e romântica- de Tiago Iorc.>
Em sintonia com manifestações antirracistas pelo mundo, cresceram as audições de faixas de protesto ou exaltação da negritude, como "Alright", de Kendrick Lamar, "Say It Loud - I'm Black and I'm Proud", de James Brown, e "This Is America", de Childish Gambino.>
O novo -e frio- disco de The Weeknd, "After Hours", lançado no meio da quarentena, emplacou diversas músicas tristes no Top 200, como "Alone Again", "Hardest to Love", "After Hours", "Scared to Live" e "Too Late", entre outras.>
No rap brasileiro, Djonga emprestou à lista as mais emotivas de seu último álbum, "Todo Errado", "Não Sei Rezar" e "Procuro Alguém". O trapper carioca Orochi, que lançou seu primeiro disco, teve algumas das mais atmosféricas do Top 200, incluindo "Acelerando" e "Balão".>
Billie Eilish, que já tinha suas faixas mais tristes entre as mais tocadas, manteve o apelo, e o americano Travis Scott emplacou traps viajados recentes e antigos. Esses sons mais lentos e reflexivos, inclusive, são alguns dos responsáveis pelo entristecimento dos hits no Brasil, seja com novas do mineiro Sidoka e do coletivo paulista Recayd Mob ou antigas do cearense Matuê.>
Algumas faixas suaves e confortantes, presentes em playlists para trabalhar, estudar ou relaxar, tiveram destaque individualmente, como "Death Bed", de Powful, e "Ily", do Surf Mesa, uma versão acalmada ao violão da clássica "Can't Take My Eyes Off You".>
Mas a mudança na "idade" das músicas talvez seja o principal fator que acompanha a queda acentuada e repentina da alegria no Top 200. Na quarentena, os brasileiros buscaram canções que já conhecem.>
Nesse sentido estão baladas que foram sucesso recentemente e voltaram ao topo, como "Shallow", de Lady Gaga, e diversos hits nacionais.>
A lista contém "Apenas Mais Uma de Amor", de Lulu Santos, "Pra Você Guardei o Amor", de Nando Reis, "Boate Azul", na voz de Bruno & Marrone, "Até que Durou", de Péricles, "Quando Você Passa", de Sandy & Junior, "Every Breath You Take", do The Police, e "Tempo Perdido", do Legião Urbana.>
Além da natural busca por conforto em tempos incertos, a maior procura por músicas antigas também tem a ver com o sucesso das lives no Brasil. O formato, que rendeu verdadeiros fenômenos de audiência, em especial no sertanejo, levou os fãs a correr atrás das obras dos artistas que viram nas transmissões.>
Até por isso, o sertanejo -sempre dominante entre as mais tocadas- sofreu pouca variação em relação ao que já era ouvido. Jorge & Mateus, Gusttavo Lima, Marília Mendonça, Henrique & Juliano, Matheus & Kauan e Wesley Safadão são provavelmente os artistas do gênero mais ouvidos do Brasil no último ano -e se mantiveram com sucesso.>
A virada de pop para pagode de Ludmilla, que emplacou todas as faixas de seu EP recente no Top 200, talvez seja a mais emblemática do período. Sai a trilha para dançar, entra a desilusão romântica.>
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