Publicado em 24 de setembro de 2020 às 08:52
O procurador-geral da República Augusto Aras defendeu a possibilidade de um depoimento por escrito do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura suposta interferência política na Polícia Federal. O parecer foi enviado em recurso apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) após o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinar a oitiva presencial de Bolsonaro. >
Nesta quarta (23), o ministro Marco Aurélio Mello, que está sob a relatoria do inquérito enquanto o decano se encontra em licença médica, enviou o caso para julgamento no plenário virtual da Corte, que se iniciará no dia 2 de outubro.>
Celso de Mello determinou que Bolsonaro fosse ouvido presencialmente nas investigações que apuram as acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro sobre supostas interferências na PF. A decisão do decano foi amparada em diferentes precedentes da Corte no sentido de que os chefes de Poderes, quando sujeitos a investigação criminal, não tem direito à prerrogativa de depoimento por escrito.>
Entre as decisões anteriores do STF citadas pelo decano está uma proferida pelo ministro Teori Zavascki em 2016, que negou depoimento por escrito ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), à época em que era presidente do Congresso Nacional.>
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Em parecer enviado sobre o recurso da AGU, Aras afirmou que a decisão de Celso de Mello tem "inconsistência" em seu "raciocínio jurídico". Segundo o PGR, este cenário possibilita ao presidente deixar de comparecer ou ficar em silêncio durante a oitiva, "situações em que nada acrescentaria à apuração em curso".>
"Se o ordenamento jurídico pátrio atribui aos chefes dos Poderes da República a prerrogativa de apresentar por escrito as respostas às perguntas das partes quando forem testemunhas, situação em que há, ordinariamente, a obrigatoriedade de comparecer em juízo e de falar a verdade, sob pena de responderem criminalmente, com mais razão essa prerrogativa há de ser observada quando forem ouvidos na qualidade de investigados, hipótese em que aplicável o direito ao silêncio, de que decorre sequer ser exigível o comparecimento ao ato", apontou Aras.>
A manifestação de Aras é alinhada à da AGU, que também defende o depoimento por escrito de Bolsonaro. A defesa do presidente alegou que os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin autorizaram o depoimento do então presidente Michel Temer em dois inquéritos distintos. Em ambos os casos, porém, o emedebista era testemunha, e Bolsonaro é investigado.>
Relatoria. A proximidade da aposentadoria compulsória de Celso de Mello, em novembro, reacendeu na Corte a discussão sobre quem deve assumir a relatoria do caso. Até agora, integrantes do STF se dividem sobre o tema. "Ante a urgência de todo e qualquer inquérito, há de ser distribuído (a outro ministro). Não aceito simplesmente herdar", disse Marco Aurélio ao Estadão, ao defender um sorteio eletrônico para definir o novo relator, após a saída de Celso.>
"Sou substituto do ministro Celso de Mello, não pelo patronímico Mello, mas por antiguidade. E não aceito designação a dedo. Mas, como os tempos são estranhos, tudo é possível.">
O regimento interno do STF prevê que o relator seja substituído pelo ministro imediato em antiguidade em caso de licença "quando se tratar de deliberação sobre medida urgente".>
Ao completar 75 anos em 1º de novembro, Celso de Mello vai se aposentar compulsoriamente, abrindo a primeira vaga na Corte para indicação de Bolsonaro. O regimento interno do STF prevê que, em caso de aposentadoria do relator, o processo é herdado pelo ministro que assume a vaga.>
Dessa forma, o nome que vier a ser escolhido por Bolsonaro deve assumir o acervo de processos de Celso de Mello - o que abre margem para a insólita situação de um ministro indicado pelo chefe do Executivo assumir a relatoria de um inquérito que investiga o próprio presidente da República.>
Segundo o Estadão apurou, a equipe de Fux avalia que essa tradicional regra deve ser mantida, mesmo em se tratando desse inquérito que atinge diretamente Bolsonaro.>
"Seria muito ruim que o presidente estivesse na posição de nomear o ministro ou ministra que assumiria a relatoria de um inquérito contra ele. Se essa situação acontecer, espero que o Senado questione o indicado ou indicada sobre isso e, idealmente, perguntaria se ele ou ela se comprometeria em se declarar sua suspeição e pedir a redistribuição caso isso ocorresse", avaliou o professor Thomaz Pereira, da FGV Direito Rio. "Mas o melhor seria que o inquérito fosse redistribuído antes disso, para esse debate não dominar a conversa em torno da nomeação, ofuscando outros temas de grande importância.">
Um ministro do STF ouvido reservadamente pela reportagem aponta que Marco Aurélio poderia continuar com o inquérito. Dessa forma, quando o sucessor de Celso de Mello assumir a cadeira do tribunal, após ser indicado por Bolsonaro, aprovado pelo Senado e empossado, a apuração possivelmente já teria sido concluída.>
Pelo regimento interno do STF, em certos casos (como habeas corpus e extradições), o presidente da Corte pode determinar a redistribuição do processo, se o interessado ou o Ministério Público solicitar. O dispositivo também pode ser acionado em "caráter excepcional" nos demais processos.>
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