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É pós-doutor em Direito e promotor de Justiça no ES. Professor do Programa de Doutorado e Mestrado da FDV

Vacina: como é possível que pessoas inteligentes também sejam negacionistas?

Cada pessoa representa um mar revolto de desejos, ambições, decepções, o que influencia a forma como constrói a sua própria realidade. A assimilação de dados e argumentos ocorre de forma seletiva e cada um acaba acreditando naquilo que lhe convém

  • Alexandre de Castro Coura É pós-doutor em Direito e promotor de Justiça no ES. Professor do Programa de Doutorado e Mestrado da FDV
Publicado em 06/01/2022 às 14h00
Músico eric clapton toca guitarra
Eric Clapton: guitarrista é um dos negacionistas mais famosos. Crédito: Divulgação / Wikimedia Commons

Nem todos os negacionistas que se opõem ao programa de vacinação contra a Covid-19 são indivíduos sem cultura e aptidão intelectual. Quem já não ouviu uma pessoa bem-sucedida ou até admirada colocar em dúvida a eficácia ou a segurança da vacinação?

Entre os negacionistas há médicos, professores, empresários, presidentes e até mesmo - quem diria! - o Eric Clapton.

A constatação de que o negacionismo não é promovido exclusivamente por mentecaptos causa espanto e desconforto.

Espanto porque existem evidências científicas a respaldarem a eficácia e a segurança da vacinação. Agências governamentais por todo o mundo, universidades e instituições científicas de grande prestígio aprovaram a vacina.

Desconforto, pois muitos negacionistas bradam que suas conclusões são lógicas e racionalmente fundadas, gerando receio em ouvintes desavisados.

Tais negacionistas confundem opiniões minoritárias de especialistas de ocasião e as próprias deduções baseadas na lógica do senso comum com ciência e consenso científico.

O consenso científico é forjado institucionalmente pois depende de pesquisas com número expressivo de pessoas e da revisão "duplamente cega" dos resultados. Nas revisões "duplo-cegas", nem os autores da pesquisa nem os revisores são revelados. Isso é fundamental para garantir confiabilidade ao processo de revisão e ao que poderá constituir um consenso científico.

Mesmo não sendo absoluto ou imutável, o conhecimento científico é o melhor critério para tomada de decisão, sobretudo no âmbito da definição de políticas públicas de saúde, como o programa de vacinação. A história demonstrou isso.

Então, por que os "negacionistas inteligentes" não se rendem a essa constatação e à ciência como critério de decisão acerca da vacinação?

Para responder a essa indagação, temos que reconhecer que a interpretação do mundo e as conclusões dos indivíduos são condicionadas por fatores inconscientes que não se vinculam necessariamente à razão.

Cada pessoa representa um mar revolto de desejos, ambições, decepções, que influencia a forma como constrói a sua própria realidade. A assimilação de dados e argumentos ocorre de forma seletiva e cada um acaba acreditando naquilo que lhe convém.

Nesse cenário conturbado, ao averiguar informações contestadas por narrativas contrapostas, devemos nos apoiar em instituições cientificamente reconhecidas. Nelas a intersubjetividade promove o "consenso" e não a retórica da opinião individual e das teorias da conspiração.

Ciência não se confunde com opinião e pesquisa científica não é simplesmente a apresentação de dados aleatórios, ainda que realizada e articulada por pessoas inteligentes.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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