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Tombamento dos galpões do IBC: valor de uso acima do valor de mercado

Notícia da venda do imóvel localizado no coração de Jardim da Penha, em Vitória, gerou indignação de grande parte da população capixaba. Ouvir moradores deve ser premissa permanente na construção de políticas públicas

  • Vinícius Lamego de Paula
Publicado em 22/11/2020 às 04h00
Galpões do Instituto Brasileiro do Café, o IBC, em Jardim da Penha.
Galpões do Instituto Brasileiro do Café, o IBC, em Jardim da Penha. Crédito: Vitor Jubini

Não é nenhum segredo que os atuais representantes do governo federal são avessos à participação social na administração pública e à gestão democrática das cidades. Não é à toa que já em abril de 2019, por meio do Decreto nº 9759, houve a extinção de grande parte das instâncias participativas.

Entre elas estava o Grupo de Trabalho Estadual de Habitação de Interesse Social (GTE/HIS), vinculado à Superintendência de Patrimônio da União no Espírito Santo (SPU/ES), o qual discutia junto com a sociedade civil a destinação de imóveis ociosos da União Federal, nas cidades capixabas, para a moradia das pessoas mais necessitadas.

A transparência também não tem sido uma grande preocupação da gestão atual, pelo que, de forma arbitrária e sem qualquer consulta à população, a União Federal decidiu vender 11 imóveis de sua propriedade no Espírito Santo, incluindo o terreno dos Galpões do IBC, o qual consiste em uma área de aproximadamente 33 mil metros quadrados no coração do bairro Jardim da Penha.

Essa notícia pegou todos de surpresa e gerou indignação de grande parte da população capixaba, em especial da Associação de Moradores do Bairro Jardim da Penha (Amjap) — que já vem lutando desde a década de 1980 para o uso público do imóvel em favor dos moradores do bairro —, do Instituto dos Arquitetos e Urbanistas do Brasil, departamento do Espírito Santo (IAB/ES) e dos artistas e profissionais da cultura, os quais se manifestaram publicamente contra a venda do imóvel.

A partir de uma ótica totalmente privatista e individualista, sem qualquer sensibilidade com o interesse coletivo, o governo federal, através do Ministério da Economia, vem empreendendo uma política de desmantelamento do patrimônio público, por ele denominada de “política de desestatização e desinvestimento”. Essa política tem no seu radar apenas o valor de troca dos espaços da cidade, ou seja, o seu valor de mercado, que no caso dos Galpões do IBC foi avaliado em 35 milhões de reais.

Todavia, parte da população capixaba, mesmo alijada dos espaços participativos, resolveu reagir e proteger o patrimônio consistente nos Galpões do IBC, através da realização do pedido de tombamento. Isso que demonstra a preocupação com o valor de uso desse bem, tanto dos seus usos pretéritos que lhe conferem um valor histórico na economia cafeeira do Espírito Santo e na urbanização da cidade de Vitória, quanto dos seus usos futuros, podendo ser utilizado para eventos culturais, feiras agroecológicas, exposições de artesanato e outras diversas atividades de interesse social.

Ainda há em muitos capixabas o sonho e luta por espaços públicos de encontro, festa e convivência, e desejo por cidades mais inclusivas e justas. Ouvir a população deve ser premissa permanente na construção de políticas públicas e na produção dos espaços das cidades.

O autor é graduado em Direito, mestre em Ciências Sociais pela Ufes, Defensor Público do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia do Estado do Espírito Santo, associado ao Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), participante do BrCidades ES

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