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É economista, mestre pela Universidade de Oxford no Reino Unido e professor na Fucape Business School

Taxas cartoriais: a quem servem nossas instituições?

O debate sobre as taxas cartoriais no Espírito Santo é uma oportunidade para perguntar a quem servem nossas regras

  • Eduardo Araújo É economista, mestre pela Universidade de Oxford no Reino Unido e professor na Fucape Business School
Publicado em 23/12/2025 às 13h52

Daron Acemoglu recebeu o Nobel de Economia no ano passado por demonstrar que a prosperidade das nações depende da qualidade de suas instituições. Sua teoria parte do conceito de “rent-seeking”, ou busca de renda, que descreve situações em que grupos obtêm ganhos não pela criação de valor, mas pela ocupação de posições protegidas. Instituições inclusivas distribuem oportunidades e incentivam inovação. As extrativas permitem captura sem contrapartida.

Essas instituições de que fala Acemoglu são as regras do jogo: leis, regulamentos, estruturas que definem como a economia funciona. O Brasil oferece exemplos de captura em toda parte. O sistema tributário, cuja complexidade não encontra paralelo, sustenta milhares de profissionais dedicados a interpretar regras que poderiam ser simples.

Não estão produzindo bens nem serviços. Estão disputando a distribuição de riqueza que outros criaram. O mesmo ocorre com setores protegidos por barreiras comerciais ou beneficiados por concessões opacas.

E o que dizer do recente aumento dos emolumentos cartorários no Espírito Santo? A Assembleia Legislativa aprovou nova tabela, que aguarda sanção do governador, com elevações expressivas: casamento sobe 43%, procurações 88%, averbações 280%, registro de imóveis até 137%. A justificativa invoca defasagem de 24 anos. Mas os dados do próprio Tribunal de Justiça revelam setor financeiramente saudável. Nos últimos doze meses, as serventias extrajudiciais capixabas registraram receitas de R$ 673 milhões e saldo operacional de R$ 385 milhões, margem de 57%.

Como se explicam margens dessa magnitude? Cartórios ingressam por concurso público, o que confere legitimidade ao processo seletivo. Mas, uma vez empossado, o titular opera em regime de monopólio territorial. O consumidor não pode escolher outro fornecedor nem barganhar preço. Nessa estrutura, ganhos não dependem necessariamente de inovação ou eficiência. Dependem de ajustes na tabela. É o mecanismo que Acemoglu descreve: quando a posição garante retorno independentemente do valor criado, recursos que poderiam financiar atividade produtiva são drenados para sustentar o arranjo.

Serviços de cartório
Serviços de cartório. Crédito: Freepik

A reação popular ao aumento das taxas abre espaço para reflexão mais ampla. Registros existem para conferir segurança às transações. Mas isso precisa custar tanto? Países que adotaram sistemas digitais com validação por blockchain já oferecem a mesma garantia com mais agilidade e custos menores. E se o debate fosse além das tarifas, incluindo transparência, eficiência e governança? Ampliar esse escopo seria avançar rumo a arranjos que distribuem ganhos em vez de concentrá-los.

Acemoglu mostrou que instituições extrativas têm guardiões interessados em preservá-las, mas mostrou também que não são destino. São escolhas coletivas. A pergunta que devemos fazer diante de cada regra, cada taxa, cada barreira é sempre a mesma: a quem serve essa instituição?

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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