A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu a inclusão automática de empresas do mesmo grupo econômico em execuções trabalhistas, representa um marco importante na busca por equilíbrio entre a proteção ao trabalhador e a segurança jurídica. Com maioria de oito votos, a Corte estabeleceu que apenas as companhias que participaram do processo desde a fase de instrução podem ter seus bens bloqueados ou responder por dívidas trabalhistas.
O entendimento, liderado pelo ministro relator Dias Toffoli, reconhece que o direito à ampla defesa é cláusula essencial do devido processo legal. Cobrar uma empresa que não teve oportunidade de apresentar provas ou se manifestar durante o processo viola esse princípio constitucional.
A decisão não ignora, contudo, a existência de situações excepcionais em que o redirecionamento da execução é legítimo, como nos casos de sucessão empresarial ou abuso da personalidade jurídica. Nessas hipóteses, permanece possível responsabilizar outras empresas vinculadas, desde que haja comprovação concreta de fraude ou confusão patrimonial.
O caso analisado pelo STF teve origem em um recurso da concessionária Rodovias das Colinas, que, junto a outras empresas do grupo Infinity, teve R$ 190 milhões bloqueados em mais de 600 processos trabalhistas. A empresa alegou que, embora houvesse sócios em comum, não existia subordinação ou controle único, o que torna discutível a configuração de um grupo econômico nos moldes exigidos pela legislação.
A decisão do Supremo dialoga diretamente com as mudanças introduzidas pela reforma trabalhista de 2017, que passou a exigir prova de coordenação entre as empresas para caracterizar um grupo econômico. Apenas a coincidência de sócios não é suficiente. Ainda assim, muitos tribunais trabalhistas continuaram a aplicar o entendimento anterior, tratando investidores, parcerias e joint ventures como se fossem parte de um mesmo conglomerado.
Os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes ficaram vencidos. Ambos defenderam que as empresas de um mesmo grupo deveriam responder solidariamente pelas dívidas, desde que tivessem oportunidade de se manifestar. Moraes destacou que, na prática, muitos grupos transferem ativos saudáveis para outras empresas e deixam as dívidas trabalhistas em companhias “esvaziadas”, impedindo o trabalhador de receber.
O debate revela um dilema histórico da Justiça do Trabalho, proteger o empregado sem ferir garantias constitucionais básicas. Por um lado, há a realidade de trabalhadores que enfrentam longas esperas por indenizações, especialmente em casos de empresas em recuperação judicial ou encerradas. Por outro, há o risco de que a responsabilização automática desestimule o empreendedorismo e penalize injustamente empresas que apenas mantêm vínculos societários pontuais.
O que o STF faz, ao fim, é reafirmar o valor do devido processo legal como pilar da segurança jurídica. O combate à fraude e à burla trabalhista deve continuar, mas levando em consideração os limites da Constituição. A decisão não fragiliza o trabalhador, mas exige que o Estado aja com responsabilidade e respeito às regras que sustentam o próprio sistema de justiça.
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